quinta-feira, 30 de junho de 2011

RTP: a privatização (pt. 2- Debate em torno do serviço público de Televisão)

Desde a introdução das cadeias privadas de TV tem-se questionado a utilidade, ou a necessidade de existir um serviço público de televisão, se a RTP proporciona ou não um verdadeiro serviço público, e se os apoios estatais lhe conferem uma vantagem injusta relativamente aos operadores privados. 
Em relação ao 1º debate, trata-se apenas de uma questão ideológica. Por um lado temos uma visão conservadora em torno da manutenção de um serviço público com vista a (1) proporcionar um tratamento igualitário e isento a todos os quadrantes políticos no âmbito noticioso, (2) o de perseguir a qualidade de informação e programação, com rigor e pedagogia, (3) divulgar e conservar no seu arquivo audiovisual as tradições e costumes sócio-culturais de todo o país, a nossa História e Meio Ambiente, (4) proporcionar formação e conhecimento à população em modo geral, (5) estabelecer um elo de ligação com os países lusófonos e com os nossos emigrantes, (6) impulsionar a produção televisiva e cinematográfica nacional e (6) incentivar um maior espírito cívico da nossa sociedade. A visão liberal não percebe a necessidade de gastar os escassos recursos do Estado em algo que pode ser fornecido pelos privados, tal como acontece em outros meios de comunicação, como a imprensa escrita por exemplo, sendo que os objectivos que o serviço público de televisão persegue poderão ser desviados facilmente para outras acções no âmbito do Estado.
A televisão privada em Portugal, devido à pequenez do mercado, tem mostrado pouca sensibilidade para fazerem programas com o carimbo de serviço público, mas quando o fazem, muitas vezes não são exibidos durante o prime time, muitas vezes a horas impróprias para a maioria dos telespectadores, o que se compreende em virtude da concorrência que têm de enfrentar para optimizar as suas receitas. E desde logo, este é um grande handicap da televisão pública relativamente às cadeias privadas, pois nunca se poderão demitir de um serviço público em detrimento de um produto “descartável” de fácil audiência.
O debate da qualidade programática da RTP, em torno do facto de proporcionar um verdadeiro serviço público, é algo polémico, e “cada cabeça, sua sentença”, ou seja, os gostos pessoais muitas vezes influem na opinião relativamente ao serviço que a TV pública transmite, o que acaba por ser uma visão redutora e não ter em conta várias especificidades. Se é verdade que muitas vezes os recursos da TV pública estão subaproveitados, também é verdade que se tem percorrido um caminho bem positivo nos últimos anos, especialmente após a degradação que existiu nos primeiros anos de competição como o sector privado.
As audiências não são somente importantes para a obtenção de receitas que permitam o autofinanciamento da televisão pública, mas especialmente, porque, de que serve a existência de um serviço público se poucos cidadãos o utilizam? Podemos, nesse caso, falar da existência de um legítimo serviço público? Ou apenas mais um despesismo estatal? De facto, a televisão do Estado tem de ter audiência para atingir os seus fins, desse modo terá de entrar em concorrência com os operadores privados em nome de um serviço público que se pretende constituir como uma verdadeira alternativa de qualidade.
A estratégia que se tem seguido nos últimos anos tem sido a de redução de publicidade na televisão pública, tendo inclusive sido quase totalmente eliminada da RTP2, em virtude de uma queixa das televisões privadas, acerca da suposta vantagem da televisão do Estado ao receber dinheiros públicos. É claramente uma vantagem, mas a razão de “torcer o nariz” a esse facto é porque a RTP tem a enorme desvantagem de não poder emitir tudo o que lhe apetecer para atingir o objectivo audiência, e os resultados estão à vista, a RTP não é a TV líder, contudo, tem apresentando um share que justifica a sua manutenção. Pode-se discutir as várias abordagens e visões que o Estado poderia ter relativamente a esta situação, mas estou em crer que a RTP pode ser, perfeitamente, uma empresa pública auto-sustentável, verdadeiramente activa no mercado, mas de forma leal e sem se constituir num pesado fardo para a despesa pública, daí achar que foi um erro a abordagem que o Governo teve em diminuir os tempos de publicidade à televisão pública, pois o que deveria ter feito era uma diminuição progressiva das transferências do Orçamento de Estado para a RTP. Quer queiramos quer não, enquanto a RTP for um receptor de dinheiros públicos, a questão da privatização estará sempre em cima da mesa, questionando constantemente todos os aspectos que se relacionam com o serviço público de televisão, mesmo que injustamente.
A RTP é uma empresa pública, ou seja, pertence à Administração Indirecta do Estado, uma pessoa colectiva distinta deste, apesar de estar sujeita à sua tutela e superintendência, dispondo de uma administração financeira autónoma de forma a realizar a sua actividade de modo mais eficaz e célere, fora portanto da pesada máquina estatal, podendo perseguir o lucro, mas tendo em conta a posição do seu accionista maioritário, o Estado. Com isto, percebemos que relativamente à RTP o Estado deve orientar, sugerir um modelo genérico de programação e os objectivos que devem atingir, mas não exigir aos técnicos que lá trabalham, os competentes da área, a forma como devem atingir os objectivos, até porque são eles que terão de prestar contas no final, não só pelos conteúdos que transmitem, mas pela forma e pelos resultados do que transmitem, e inserimos aí as questões relativamente ao share, as audiências, e as implicações que têm relativamente à obtenção de receitas próprias.

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