sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Cavaco Silva: o homem por detrás do Portugal actual

Aníbal Cavaco Silva é um economista e político português que desempenhou um importante papel na gestão e administração de Portugal no pós-25 de Abril. É, porventura, um dos políticos com mais tempo de dirigismo público neste período da 3ª República, tendo portanto, grandes responsabilidades por este Portugal do século XXI.
 
O professor começou como Ministro das Finanças e Plano no VI Governo Constitucional (1980-1981) liderado pela coligação "Aliança Democrática" (PSD-CDS-PPM) de Francisco Sá Carneiro. Após o "acidente de Camarate" recusa integrar o governo seguinte da AD, de Francisco Pinto Balsemão, para ser eleito, em 1981, presidente do Conselho Nacional do Plano (que é o actual Conselho Económico e Social) pela Assembleia da República.
Figura 1- Cavaco Silva é um grande aficionado do Bolo-rei.
Entretanto o país assistia à formação do "Bloco Central" (PS-PSD) de Mário Soares em 1983, num período de grave crise económica no país, com pouca produtividade, elevadas taxas de inflação, desemprego, fome e instabilidade social e política. O IX Governo Constitucional procurou acabar com a crise económica através de um plano de austeridade, desvalorizando a moeda, cortando na despesa e recorrendo ao FMI para negociar a dívida externa e restaurar a confiança dos mercados internacionais, ao mesmo tempo que negociava a entrada de Portugal na CEE. O entendimento entre os 2 partidos estabilizou o país em termos financeiros e permitiu alterar a Constituição da República, extinguindo os poderes do Conselho da Revolução  e dar caminho às privatizações de empresas nacionalizadas (surgidos do 25 de Abril).
 
Em 1985, Cavaco Silva surge como vencedor das eleições internas do PSD no Congresso Nacional na Figueira da Foz... ainda assim não se livra de um processo disciplinar por parte do director da Faculdade onde leccionava, Alfredo de Sousa, por por não ter cumprido, por faltas, as suas obrigações académicas. O ministro da Educação, João de Deus Pinheiro ainda consegue tornear a "coisa", concedendo-lhe uma licença sem vencimento e esquecendo as faltas... um favor que Cavaco Silva jamais esquecerá.

Pouco tempo depois o Bloco Central terminaria com base nos desentendimentos crescentes entre os dois partidos. O presidente da República, Ramalho Eanes, dissolve o Parlamento e convoca novas eleições legislativas, ganhas pelo PSD com 29.8% dos votos, formando o minoritário X Governo Constitucional. Portugal acaba por aderir à CEE, apesar de Cavaco ser, no início, um euro-céptico, mas no ano seguinte, em 1987, o Partido Renovador Democrático, de Ramalho Eanes, apresenta uma moção de censura ao governo, que acaba por ser aprovada, obrigando o presidente da República da altura, Mário Soares, a dissolver o Parlamento e a convocar novas eleições.
 
Nas eleições de 1987 o PSD obtém a 1ª de 2 maiorias absolutas sem qualquer coligação partidária (a outra deu-se nas eleições de 1991). Cavaco Silva lidera então o XI e XII Governos Constitucionais que conhecem um período de crescimento económico, aproveitando os dinheiros comunitários, as reformas anteriores que permitiram a privatização de algumas empresas públicas, e a introdução do IRS e o IRS dentro de um espectro de reforma fiscal. Porém, nesta época de "vacas gordas", não se acautelou ou fomentou reformas estruturais e um crescimento da produção e/ou produtividade do país, "desbaratando-se" os fartos fundos comunitários dados naquele tempo, bastante mal geridos e mal direccionados, havendo um grande aumento de corrupção e de ineficiência na Justiça. Foi com Cavaco Silva que começou uma enchente significativa de funcionários na Administração Pública e nas Empresas Públicas e foi também com ele que a partidarização dos cargos públicos, sem qualquer mérito ou competência, ganhou os contornos que tem hoje, os tão famosos jobs for the boys que António Guterres tão bem salientou.

As Indústrias foram deixadas ao abandono, sem promover inovação, formação profissional e sem incentivos e apoios suficientes para que se pudessem manter e desenvolver, a negociação da PAC com a UE permitiu que a nossa Agricultura e Pesca fosse completamente destruída (os produtores eram pagos para não produzir e para destruir os meios de produção). Ao mesmo tempo "patrocinava-se" um maior fosso entre ricos e pobres, uma economia com base nos Serviços, no consumo e em grandes obras públicas, aliás, o seu ministro, Ferreira do Amaral, ficou conhecido como Ministro do "betão, asfaltando o país com inúmeras auto-estradas (de acordo com o Relatório da Comissão Europeia da Energia e Transportes, de 2009, Portugal era o 5º país com mais quilómetros de auto-estrada por habitante, superando a Alemanha, França e Reino Unido) mas suprimindo os sistemas ferroviários fora dos grandes centros urbanos, e dando luz verde aos projectos megalómanos do Centro Cultural de Belém e Expo 98, na qual deu à luz a 1ª parceria público-privada ensaiada em território português que se consubstanciou na Ponte Vasco da Gama com um "buraco" total de 897 milhões de contos e concessionada à Lusoponte para onde mais tarde foi o seu ministro Ferreira do Amaral ganhar balúrdios. 
Figura 2- Cavaco Silva revela os óculos que lhe deram uma visão de futuro para Portugal.
Os últimos anos do cavaquismo coincidiram com um abrandamento da actividade económica, surgindo focos de contestação social um pouco por todo o lado, resolvidos através de violentas cargas da polícia de choque, ficando célebres os confrontos com os estudantes universitários pelo aumento das propinas, com os utentes da ponte 25 de Abril pelo aumento das portagens e com a população da Marinha Grande pelos protestos dos seus trabalhadores. Cavaco Silva responderia a tudo isto como sempre fez, com silêncio, autoritarismo e criação de tabús, soltando um «deixem-me trabalhar!», ou um "nunca me engano e raramente tenho dúvidas", classificando a oposição como «forças de bloqueio», onde incluía o presidente da República, Mário Soares, cujas "Presidências Abertas" procuravam ir à raíz da contestação social, e António de Sousa Franco, presidente do Tribunal de Contas, que chumbou várias contas enviadas pelo seu Governo.
 
Com o fim do seu mandato como 1º Ministro em 1995, decide, em 1996 apresentar-se como candidato a Presidente da República, tendo sido derrotado por Jorge Sampaio. Porém, Cavaco Silva não desistiria de forma tão rápida desta sua ambição e em 2006, depois da "poeira assentar", apresentou-se às eleições presidenciais desse ano, onde conseguiu, finalmente, o cargo de Presidente da República. Em 2011 é reeleito para o cargo apesar dos vários episódios rocambolescos, de sabotagens e contradições enquanto presidente da República, entre os quais:
  1. Caso das alegadas escutas do Governo à Presidência da República. Fernando Lima, assessor do Presidente da República colocou a notícia nos órgãos sociais numa tentativa de denegrir o Governo socialista após a "quase confissão" de que Cavaco havia ajudado o programa eleitoral do maior partido de oposição. Lima acaba por ser demitido por Cavaco Silva, só para mais tarde ser admitido noutras funções;
  2. Caso da Flexisegurança. Numa visita a Goa, o Presidente da República defende o modelo de flexisegurança, que facilita os despedimentos, mas confere uma maior protecção social aos empregados. Uma vez chegado a Lisboa, quando questionado sobre o caso, responde: "Nunca me ouviu falar nisso". Falar verdade não é com ele;
  3. Caso das acções da Sociedade Lusa de Negócios e BPN. Cavaco Silva e a sua filha foram, entre 2001 a 2003, accionistas convidados da SLN, detentora do BPN, lucrando cerca de 357 mil €. Alberto Queiroga Figueiredo, presidente da SNL Valor e integrante da Comissão de Honra da recandidatura de Cavaco Silva, reconheceu que o presidente teve acesso a informações privilegiadas, que outros accionistas não tiveram, sobre o que poderia acontecer ao BPN, precipitando a venda desses activos. A SNL nunca esteve contada em bolsa, sendo o valor das acções determinado pelos accionistas da SNL Valor, mas é factual que Cavaco Silva comprou as acções a 1 €, logo seguido por um aumento de capital subscrito a 2.20 € por acção, tendo no final recebido 2.40 € por cada uma;
  4. Caso da herdade da Coelha. Em 1999, Cavaco Silva adquire uma moradia na Urbanização da Coelha a empresas sediadas em off-shores e ligadas à SNL por um valor abaixo do estipulado pelo mercado e com insenção do SISA. A escritura do lote desapareceu do Registo Predial de Albufeira. Nessa herdade tem como vizinhos Oliveira e Costa e Fernando Fantasia, da SNL, que usaram dinheiros do BPN para adquirir as suas propriedades. As obras de construção da casa só tiveram a licença devida 3 meses depois de estar pronta, em desrespeito do processo inicialmente aprovado, mas nunca foi alvo de embargo (em consonância com as suspeitas de fraude fiscal aquando das obras da marquise na sua casa na Travessa do Possolo);
  5. Caso Saramago. Cavaco Silva ausentou-se das cerimónias fúnebres do Prémio Nobel da Literatura, se calhar como apoio à decisão do seu sub-secretário de Estado, Sousa Lara, que vetou "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" para um prémio literário;
  6. Caso do Ordenado de Presidente. Cavaco Silva "colocou" nos órgãos de comunicação social a ideia que iria prescindir do seu ordenado como presidente da República a partir de Janeiro de 2011 (6.523 €), contudo a decisão só surgiu após aprovação da legislação socialista que põe fim à acumulação de pensões com vencimentos do Estado a partir de Janeiro desse ano. Cavaco Silva acumula duas pensões, a de professor catedrático na Universidade Nova de Lisboa e a de reformado do Banco de Portugal, totalizando cerca de 10.000 €/mês;
  7. Caso 10 de Junho. No âmbito das comemorações do dia de Portugal, Cavaco Silva refere que o mais importante era "(...) acima de tudo, a raça, o dia da raça (...), expressão utilizada por António Oliveira Salazar;
  8. Caso do financiamento da campanha presidencial. José Oliveira e Costa, o ex-presidente do BPN agora em prisão preventiva e indiciado por burla, branqueamento de capitais e fraude fiscal, doou a título pessoal 15.000 €  para a campanha presidencial de Cavaco Silva. No final das contas, o presidente da República acabou por receber 100.000 € de pessoas ligadas ao BPN (a lei proíbe donativos de pessoas colectivas), destacando-se Joaquim Coimbra, que doou 22.482 € (máximo permitido por lei);
  9. Caso da Tomada de Posse como presidente da República em 2011. Cavaco Silva faz um discurso incitando ao "sobressalto cívico" e fazendo fortes críticas ao Governo, colocando mais próximo o cenário de eleições legislativas antecipadas.
Figura 3- Cavaco Silva ataca Sócrates à socapa.
Em 36 anos de Democracia pós-Estado Novo, Cavaco Silva esteve presente em altos cargos públicos durante 16 anos!!!! É indesmentível que é o maior responsável pela situação em que o país se encontra actualmente, mas continua a passar por "anjinho", tanto pelo facto de ter tido um timing certeiro de entrada no Governo, num período com uma situação financeira estável proporcionada pelo Bloco Central, como pelos favores que fez a algumas personalidades do mundo financeiro e da comunicação social. Apesar do muito dinheiro europeu que entrou, foi incapaz de fazer reformas estruturais de que o país precisava para poder acompanhar os seus parceiros europeus... todos os governos que lhe sucederam, apesar da sua maior ou menor competência, não puderam ter a mesma margem de manobra e de erro. E não nos podemos esquecer do lado desumano que teve o seu governo que classificou a resistência timorense de terrorista, que recusou a pensão ao capitão de Abril Salgueiro Maia, que enviou polícia de choque atacar manifestantes, entre outros casos extremamente indignificantes, como a nomeação do seu cunhado para o conselho de administração da CIMPOR a poucos dias da sua privatização. Enfim, como diz o povo: "mais vale cair em graça do que ser engraçado".
Figura 4- Reportagem de Tabus de Cavaco que questiona as relações de Cavaco Silva com a SNL e BPN.

PS: Deixo também um excelente texto de Alfredo Farinha publicado no jornal "i" sobre o político Cavaco Silva.

“1. Devo esclarecer, antes de mais, que nunca subestimei Cavaco Silva, cujo pendor autoritário, mesclado de demagogia e populismo, e alicerçado num apurado sentido da oportunidade, fizeram dele, não só um adversário temível, mas também um dos políticos mais previsíveis que conheci em toda a minha vida activa, que já vai em quase meio século. Há, aliás, duas frases que retive na memória, da autoria de Cavaco Silva, que caracterizam bastante bem o político completamente previsível que ele é.

Uma delas foi proferida em 2005, tornou-se famosa e diz o seguinte: “Pessoas inteligentes, com a mesma informação, chegam às mesmas conclusões.” Quem tenha alguns conhecimentos de história, seja do país ou do mundo, seja das ideias ou dos factos políticos, sabe perfeitamente que tal afirmação não é verdadeira. Porque, regra geral, pessoas inteligentes, com princípios, ideias e opções políticas distintas, chegam a conclusões diferentes, mesmo quando possuem a mesma informação. É isso, aliás, que está na base dos sistemas democráticos, pluralistas e pluripartidários. Mas a frase proferida por Cavaco Silva há cinco anos é característica do discurso político dominante nos diversos partidos que alternam no poder em quase todas as democracias ocidentais. É uma frase que traduz aquilo que alguns já designam como “o fim da política”.

Para políticos que dizem situar-se rigorosamente ao centro, como é o caso de Cavaco Silva, a política na sua dimensão conflitual é considerada como algo pertencente ao passado. O tipo de democracia que recomendam é uma democracia consensual, totalmente despolitizada, não partidarizada, sem confronto entre adversários, submetida aos princípios tecnocráticos e burocráticos implícitos naquilo que os banqueiros, gestores e empresários “modernos” designam por “boa governança”, seja lá isso o que for.

Esta concepção aparentemente moderna teve a sua tradução histórica em Portugal com a instauração de uma “democracia orgânica” por Salazar, em 1933. Uma “democracia” em que só era consentido o partido único – a União Nacional – e em que os adversários políticos eram colocados fora da lei, considerados subversivos, perseguidos pela polícia política e forçados, muitas vezes, a passar à clandestinidade, para fugir à prisão.

Claro que Cavaco Silva não quer instituir uma democracia orgânica e tem respeitado sempre as regras da democracia pluralista, ascendendo aos mais altos cargos políticos através de eleições. Mas o seu desejo ardente de uma democracia consensual, sem conflitos entre adversários, sem “ilusões” e “utopias”, virada para o “futuro” e cheia de “esperança”, dominada pelo discurso politicamente correcto e esvaziada do confronto de ideias – que só pode subverter o consenso -, é qualquer coisa de genético e intrínseco, que está sempre implícito (e explícito) no discurso de Cavaco Silva. A outra frase de Cavaco Silva que retive na memória, já esquecida mas também famosa, foi proferida por ele há oito anos, em 2 de Março de 2002, durante uma conferência na Faculdade de Economia do Porto.

A propósito da sustentabilidade da Segurança Social e referindo-se à quantidade de funcionários públicos em Portugal (cujo numero, diga-se de passagem, aumentou significativamente durante os dez anos em que ele foi primeiro-ministro), Cavaco Silva disse, às tantas: “Como é que nos vemos livres deles? Reformá-los não resolve o problema, porque deixam de descontar para a Caixa Geral de Aposentações e, portanto, diminui também a receita do IRS. Só resta esperar que acabem por morrer.” Esta extraordinária declaração proferida por Cavaco Silva, que revela uma total insensibilidade humana, não lhe deve ser levada a mal, porque é característica dos tecnocratas da política, sempre mais preocupados com os números do que com as pessoas. Cavaco Silva é isso mesmo, um tecnocrata da política. Considera-se, acima de tudo, um economista, e foi assim, como economista, que quis ser eleito Presidente da República há cinco anos. Em reforço desta tese, não resisto à tentação de citar uma passagem da entrevista que Cavaco Silva concedeu ao “Expresso”, publicada em 23 de Outubro, que ilustra bastante bem o lado acentuadamente tecnocrático, mas também burocrático, da personalidade política de Cavaco Silva.

Quando diz que chamou os partidos, “na sequência da afirmação de que o Governo não teria condições para governar sem a aprovação do Orçamento do Estado”, Cavaco Silva salienta: “Forneci às forças políticas toda a informação relativa às consequências de uma crise, no caso da não aprovação do Orçamento. E forneci informação bastante detalhada relativamente à dependência da economia portuguesa dos mercados financeiros internacionais.” Tanta minúcia comove. Dá vontade de perguntar como é que Cavaco Silva terá fornecido aos partidos toda aquela informação. Terá sido em dossiers repletos de relatórios escritos em folhas A4? Ou ter–se-á limitado a proferir uma lição, do tipo magister dixit, aos pobres ignorantes que foram a Belém em representação dos partidos?

A minha curiosidade é grande. Mas a declaração citada revela bem que Cavaco Silva não é apenas um tecnocrata. É também um verdadeiro burocrata da política que dedica muito do seu tempo em Belém a coligir informação (em jornais, estudos, pareceres, relatórios oficiais), a qual, uma vez fornecida a políticos inteligentes, só pode, em sua opinião, obrigá–los a chegar às mesmas conclusões. É a escola do pensamento único em todo o seu esplendor. É a democracia consensual, sem conflitos e sem alternativas, elevada por Cavaco Silva a um patamar nunca antes alcançado.

2. Ao longo dos anos, tem sido construído um mito à volta de Cavaco Silva, que o próprio vem alimentando desde que exerceu as funções de primeiro-ministro, entre 1985 e 1995. Aliás, na já citada entrevista ao “Expresso”, ele não perde a oportunidade de declarar, às tantas: “Eu sei bem a situação em que deixei Portugal em 1995 e tenho muito orgulho.” Sem questionar o “muito orgulho” a que Cavaco Silva tem direito, é bom salientar que o balanço de dez anos de “cavaquismo” está longe de ser brilhante, tal como convém lembrar as circunstâncias excepcionais em que Cavaco Silva acedeu ao poder, dando provas do seu proverbial sentido da oportunidade, que alguns qualificam como puro oportunismo político.

Refira-se, para começar, que Cavaco Silva se afastou sempre da vida política e do poder quando previa momentos difíceis (recusou-se, em 1980, a fazer parte dos governos da AD chefiados por Francisco Balsemão) e regressou à política para reconquistar o poder quando outros já tinham feito o trabalho mais difícil (Mário Soares e o Governo do “bloco central”, em 1985) ou estavam a fazê-lo (primeiro governo de Sócrates, em 2005).

Depois de ter sido o ministro das Finanças do primeiro governo da AD, chefiado por Sá Carneiro (VI Governo constitucional), Cavaco Silva não aceitou continuar como ministro das Finanças dos governos chefiados por Francisco Balsemão, porventura por conhecer bem, como certamente conhecia, as consequências da política económica e financeira que ele próprio tinha adoptado em 1979-1980 – a saber: perda de competitividade da economia; agravamento brutal do défice externo; enorme endividamento em dólares das empresas públicas; recusa de financiamento por parte do sistema financeiro internacional, face um défice externo recorde.

Quando estes gravíssimos problemas foram resolvidos pelo Governo do “bloco central”, chefiado por Mário Soares, entre 13 Junho de 1983 e 6 Novembro de 1985 (a saber: recuperação da competitividade da economia; controlo das contas públicas; eliminação do défice externo; restauração da credibilidade do país face às instituições internacionais; abertura do processo de reprivatização da economia; assinatura do Tratado de Adesão à CEE), Cavaco Silva decidiu regressar à vida política activa, conquistando a liderança do PSD, no congresso da Figueira da Foz, derrubando o governo do “bloco central”, com a conivência do Presidente da República, Ramalho Eanes, e provocando, assim, eleições legislativas antecipadas.

Como primeiro-ministro, Cavaco Silva beneficiou dos excelentes resultados das políticas levadas a cabo pelo Governo do “bloco central” – designadamente, do excedente da balança de transacções correntes, da abertura do mercado espanhol propiciada pela integração na CEE e das abundantes transferências de fundos estruturais provenientes de Bruxelas – o que, naturalmente, favoreceu um crescimento rápido da economia, a descida da inflação e dos défices, e o aumento do emprego. No entanto, conforme salienta a economista Teodora Cardoso, numa pormenorizada “análise crítica” publicada em 2005 (sob o título “Cavaco Silva, a ciência económica e a política”), o que “começou por faltar” a Cavaco Silva foi “uma orientação inequívoca, no sentido de aproveitar esta fase ímpar, mas passageira, para preparar a economia para um tipo de competição completamente diferente daquela que enfrentara no passado. (…) O caminho para Portugal não podia continuar a ser o da falta de qualificação e dos baixos salários”.

Teodora Cardoso esclarece o seu ponto de vista: “Ao contrário da moda recente de criticar a opção pelas infra-estruturas, não me parece que esta tenha sido um erro. Erros sim – e graves – foram a incapacidade de usar eficazmente os fundos de formação profissional; de levar a cabo uma reforma do sistema de ensino que privilegiasse as necessidades da sociedade e da economia; de proceder a um correcto reordenamento do território e a uma reforma do processo orçamental que permitisse a descentralização racional da gestão pública; ou (a incapacidade) de criar uma administração pública e parceiros sociais preparados para encaminhar o país no sentido que a integração europeia e mundial lhe impunham. Ao contrário do que às vezes se deixa entender, o facto de se construírem estradas não impedia que se melhorasse a qualificação dos portugueses. Pelo contrário, face à abundância dos fundos estruturais e ao crescimento rápido da economia e da sua capacidade de financiamento, ambas as opções eram não só possíveis como indispensáveis.”

Aproveitando “uma folga financeira irrepetível”, Cavaco Silva criou um novo sistema retributivo (NSR) da administração pública, que podia ter sido a contrapartida ideal para levar por diante as reformas indispensáveis, mesmo que impopulares. Mas não foi. Cavaco Silva não quis correr riscos, e nem sequer mexeu nos múltiplos esquemas “especiais” que continuaram a proliferar durante os seus governos. Por isso mesmo, conforme conclui a professora Teodora Cardoso: “O que Cavaco Silva nos legou reduziu-se à expansão dos regimes especiais, ao reforço da rigidez e da incapacidade de gestão e inovação, e, sobretudo, a um aumento dos encargos com a função pública que correspondeu, em termos reais, à mais que duplicação da massa salarial das administrações públicas entre 1985 e 1995.”

Mas os graves erros cometidos por Cavaco Silva não se ficaram por aqui. Como recordou António Perez Metelo, num artigo publicado no “DN Economia”, em 12 de Julho de 2006: “Em termos de Segurança Social é bem sabido que, entre 1985 e 1995, o Estado não pagou integralmente as verbas devidas ao correcto financiamento dos sistemas não. Criou-se, aí, um défice, que acelerou as tensões à volta do financiamento sustentado de toda a Segurança Social pública.” E essas verbas, esclarecia Perez Metelo, situaram-se “na casa dos milhares de milhões de euros”.

Antecipando as consequências dos seus erros – défices excessivos do sector público administrativo; aumento da despesa pública superior a 12%, entre 1990 e 1995; taxa de crescimento muito baixa (0,8 %, em vez dos 2,8 % que tinha prometido, entre 1991 e 1994); taxa de desemprego a crescer (superior a 7% em 1994) – Cavaco Silva, depois de alimentar o famoso “tabu”, decidiu mais uma vez afastar- -se, quer da chefia do governo quer da chefia do PSD, deixando a “batata quente” nas mãos de Fernando Nogueira, que lhe sucedeu como presidente do partido e acabou por ser derrotado por António Guterres nas eleições legislativas de 1995.

3. Cavaco Silva ainda disputou a eleição presidencial de 1996 – mais para tentar provar que não “fugia” do que convencido de que a ganharia – mas, uma vez derrotado, afastou-se da vida política activa e remeteu-se a um silêncio algo ruidoso. Prevendo a crise que se agravou a partir de 2001, Cavaco Silva ajudou a derrubar o governo de coligação entre o seu próprio partido e o CDS-PP (o governo de Santana Lopes), e continuou a preparar discretamente a sua nova candidatura a Belém, alimentando mais um “tabu”. E quando o governo do PS (saído das eleições de Fevereiro de 2005 e chefiado por José Sócrates) tomou as medidas duríssimas e impôs as políticas de austeridade que são conhecidas, Cavaco Silva não hesitou em considerar que era chegado o momento de regressar à política activa. E a verdade é que, como diria Júlio César, regressou, viu e venceu.

Cavaco não é, de facto, um político para os momentos difíceis. Mas é um político que sabe tirar partido deles. Em relação à gravíssima crise que o país actualmente atravessa, já sacudiu a água do capote. Na declaração de recandidatura a Belém, já teve o cuidado – e a falta de pudor – de afirmar, sem se rir, que o país ainda estaria pior se não fossem os avisos e os alertas que ele dispensou com tanta generosidade, durante cinco anos. É assim que o Presidente economista pretende ultrapassar a frustração de não ter sido capaz de cumprir o que prometeu na eleição de 2005. Ou seja: com ele em Belém, o país nunca poderia chegar ao ponto a que agora chegou. Que pena não terem lido, tanto em Portugal como lá fora, todas as informações coligidas e fornecidas urbi et orbi por Cavaco Silva. Porque, se as tivessem lido, todos teriam chegado às mesmas conclusões e o mundo estaria bem melhor, porventura a caminho de amanhãs que cantam!

Os mitos são sempre muito duros e resistem bastante à realidade, por mais evidente que ela seja. Cavaco Silva sabe disso – e a direita que o quer transportar num andor, também. Esta crise brutal – somada ao inevitável parecer positivo da sua augusta família – veio de novo favorecer os desígnios de Cavaco Silva e tornar mais difícil a tarefa daqueles que o vão enfrentar. Porque agora ele já não se candidata apenas como o economista capaz de resolver as crises. Candidata-se em nome de Portugal, como ele próprio disse, sugerindo a imagem quase subliminar de partido único, numa democracia consensual totalmente despolitizada e despartidarizada. Cavaco Silva advoga “o fim da política”. E isso é um perigo para a democracia."


Referências:



Wikipédia

1 comentário:

  1. Parabéns João, um dos teus melhores depoimentos, sempre sagaz, objetivo e muito claro... contundente, diria!

    ResponderEliminar