sábado, 1 de dezembro de 2012

Portugalidades (4): a calçada portuguesa

A calçada portuguesa é um revestimento de piso que é, indubitávelmente, uma marca de portugalidade, estando também presente na generalidade dos países lusófonos e em locais que tiveram forte presença portuguesa. Tenho, no entanto, uma relação ambivalente em relação à calçada, pois se por um lado considero-a como um traço da nossa cultura, extremamente bela e original, por outro lado, penso que é pouco prática para a função que exerce, tendo em conta outros modelos de passeio.
Figura 1- Vista aérea para a calçada portuguesa junto ao Padrão dos Descobrimentos (Lisboa).
Considero que a calçada portuguesa pode ser inconveniente para os transeuntes porque é facilmente "desmontável", criando buracos e irregularidades frequentes e incomodativas para quem neles circula. Para além do mais, o calcário utilizado para a sua construção é uma pedra "nobre" que não deveria ser utilizada de forma tão intensa, e, com o passar de pouco tempo, a pedra torna-se algo escorregadia, dificultando a vida aos velhotes e às senhoras que utilizam salto-alto. Também não nos podemos esquecer que as pedras da calçada também podem ser utilizadas muito facilmente como arma de arremesso, como se verificou no passado dia 14 junto à Assembleia da República. A mão-de-obra utilizada para a "construção" e frequente "reparação" também não deve ser barata, pois tem de ser especializada e formada para aquele trabalho específico. 

Com isto não digo que a calçada portuguesa deva ser irradicada, longe disso, mas deve ser confinada e protegida legalmente em zonas históricas e antigas das cidades, não só porque é um elemento tradicional da nossa cultura, mas porque faz parte do seu enquadramento urbanístico é algo que os turistas gostam de reparar... e ao retirar essa excessividade de utilização, talvez nós próprios também lhe possamos dar mais valor, ao invés da banalização e indiferença que lhe damos no dia-a-dia. Creio que junto a edifícios governativos, localizados em zonas históricas ou antigas, se devesse utilizar lajes de calcário, mais dificeis de extrair e mais regulares para a circulação. Claro que a calçada portuguesa também tem coisas boas, como a flexibilidade de retirar e colocar o empedramento para fazer buracos para condutas de água e esgotos, assim como para ligações elétricas e de gás.
Figura 3- Calceiros a trabalhar em Lisboa (1907).
A calçada portuguesa é uma reminiscência dos antigos mosaicos romanos, colocada como piso pelos calceteiros, que calcetam pedras de formato quadrangular, geralmente de calcário (cor branca) e basalto (cor negra), para formar um área pedonal onde as pessoas possam circular, podendo nela ser elaboradas representações artísticas. A calçada anterior à que hoje conhecemos era pouco frequente até ao século XIX, sendo que a circulação fazia-se normalmente por terra batida, existindo paralelamente formas distintas de calcetamento das ruas. De acordo com as cartas régias de 20 de Agosto de 1498 e de 8 de Maio de 1500, assinadas pelo rei D. Manuel I, dá-se o início do calcetamento de algumas ruas de Lisboa, mais notavelmente o da Rua Nova dos Mercadores (antes Rua Nova dos Ferros), utilizando-se o granito da região do Porto.

No ano de 1842 dá-se a construção da primeira calçada portuguesa, de matriz calcária e muito semelhante à que hoje existe. O trabalho foi realizado a mando do governador do Castelo de S. Jorge, o Tenente-General Eusébio Cândido Cordeiro Pinheiro Furtado (1777-1861) e executado por presidiários, precisamente no local da fortaleza e arredores, tendo um desenho em ziguezague. A obra espantou a sociedade lisboeta da altura, sendo mencionada na obra de Almeida Garrett ("O Arco de Santana") e de Cesário Verde ("Cristalizações"), sendo aprovados vários projetos para a sua construção em vários arruamentos e praças da cidade, alguns deles autênticos "tapetes desenhados", destacando-se a obra da Praça do Rossio (1848), que durou sensivelmente 1 ano a concluir.
Figura 3 - Calçada da Praça do Senado (Macau - China).
Esta conceção facilmente se espalhou pelo resto do país, pelas colónias e ex-colónias, subjacente a um ideal de moda e de bom gosto, em que o sentido artístico se aliou a um conceito de funcionalidade, sendo solicitados mestres calceteiros portugueses para executar e ensinar estes trabalhos no estrangeiro. Somente em 1986 foi criada uma escola para calceteiros, a Escola de Calceteiros da Câmara Municipal de Lisboa (Quinta Conde dos Arcos). No Brasil, a calçada foi um dos elementos mais populares utilizados pela arquitetura paisagística, destacando-se o projeto do Largo de São Sebastião, construído em Manaus no ano de 1901 e que inspirou o famoso calçadão da Praia de Copacabana, Rio de Janeiro, projetado por Roberto Burle Marx.
Figura 4- Calçadão de Copacabana (Rio de Janeiro - Brasil).
BIBLIOGRAFIA:

DIREÇÃO-GERAL DE ENERGIA E GEOLOGIA - Manual da Calçada Portuguesa. Lisboa: DGEG, 2009. 

Wikipédia

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