segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Portugalidades (8): o Carnaval

O Carnaval é um período de folia que é comemorado um pouco por todo o mundo. Em Portugal temos as nossas tradições festivas, que não têm a grandeza e opulência que verificamos no Rio de Janeiro, Veneza ou em Nova Orleães, que lhes dá reconhecimento mundial na matéria, mas têm as suas particularidades, próprias da nossa cultura e tradição, apesar de aqui e ali sofrermos influências provenientes no Brasil, patente em Carnavais como o de Loulé, Ovar, Estarreja, Sesimbra, Alcobaça, Canas de Senhorim, Sines, Elvas, Mealhada ou Madeira.
Figura 1- Carros alegóricos de sátira política típica do Carnaval de Torres Vedras.
A festividade terá tido origem na Grécia antiga, por volta de 600 a 520 a.C., realizando-se cultos de agradecimento aos deuses pela fertilidade do solo e produção agrícola no advento da Primavera. Era uma época de alegres celebrações e de busca incessante dos prazeres. Na Roma antiga o Carnaval prolongava-se por 7 dias nas vias públicas, sendo suspensas  todas as actividades e negócios, os escravos ganhavam liberdade temporária para fazer o que em quisessem e as restrições morais eram mais libertas. As pessoas trocavam presentes, um rei era eleito por brincadeira e comandava o cortejo pelas ruas (Saturnalicius princeps) e as tradicionais fitas de lã que amarravam aos pés da estátua do deus Saturno eram retiradas, como se a cidade o convidasse para participar da folia. A Igreja Católica pega nesta festa pagã e adota-a, num ato de sincretismo religioso, especialmente a partir no século XI com a implantação da Semana Santa, antecedida por 40 dias de jejum, a Quaresma. A Semana Santa celebra a paixão, a morte e a ressurreição de Jesus Cristo, tendo os seguintes marcos:
  1. Domingo de Ramos - relembra a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém;
  2. Segunda-Feira Santa - recorda a prisão de Jesus Cristo;
  3. Terça-feira Santa - celebradas as 7 dores de Nossa Senhora Virgem Maria, também o dia de penitência, no qual os cristãos cumprem promessas de vários tipos ou o dia da memória do encontro de Jesus e Maria no caminho do Calvário;
  4. Quarta-Feira Santa - celebra-se o Ofício das Trevas, lembrando que o mundo está em trevas devido à proximidade da morte de Jesus;
  5. Quinta-feira Santa - encerrada a Quaresma, são relembrados os 3 gestos de Jesus durante a Última Ceia: a Instituição da Eucaristia, o exemplo do Lava-pés, e a instituição do sacerdócio. É nesta noite em que Jesus é preso e interrogado;
  6. Sexta-feira Santa - a morte de Jesus, recordada em 4 momentos: a liturgia da palavra, a oração universal, a adoração da cruz e o rito da comunhão;
  7. Sábado Santo - dia da espera, em que os cristãos aguardam a ressurreição de Jesus junto ao seu sepulcro. No final deste dia é celebrada a Solene Vigília Pascal;
  8. Domingo de Páscoa - celebração da ressurreição de Jesus Cristo.
O longo período de privações acabaria por incentivar a reunião de diversas festividades nos dias que antecediam a Quarta-feira de Cinzas, o primeiro dia da Quaresma. A Quaresma católica é um momento de sacrifícios, de renúncias, em que não se pode comer carne, de acordo com a lei da abstinência. A palavra "Carnaval" está, desse modo, relacionada com essa ideia, a partir do latim "carnis valles", que significa "prazeres da carne", sendo a última oportunidade de indulgência antes da Quaresma, havendo um exacerbar dos prazeres da carne. O Carnaval tem a duração de 3 dias, os que antecedem a Quarta-feira de Cinzas, que em contraste com a Quaresma, são chamados de "gordos", em especial a terça-feira (Mardi gras - Terça-feira gorda).

No Renascimento as festas de Carnaval incorporaram os baile de máscaras, com suas ricas fantasias e os carros alegóricos, tirando o carácter eminentemente popular e espontâneo às celebrações, tomando progressivamente o formato atual. O modelo do Carnaval atual foi preconizado pelos festejos e folias que se realizavam na cidade de Paris, que o exportou  para o resto do mundo, inspirando outras cidades, que foraa  criando as suas inovações, destacando-se o Carnaval do Rio de Janeiro, com os seus desfiles gigantescos ao som do samba.
Figura 2- Carnaval carioca.
O costume de se brincar no período do Carnaval foi introduzido no Brasil pelos portugueses, provavelmente no século XVI, com o nome de Entrudo. em Portugal costumava-se comemorar o período carnavalesco com toda uma série de brincadeiras que variavam de aldeia para aldeia, com vários tipos de diversões que se modificavam de acordo com o local e com os grupos sociais envolvidos. Em algumas delas notava-se a presença de grandes bonecos, chamados genericamente de "entrudos".

O Entrudo Popular poderia tornar-se numa brincadeira jocosa e agressiva, que ocorria nas ruas das localidades, tendo como protagonista um grupo de "meliantes" que escondia a sua cara por detrás de uma máscara ou outro artifício para fazer patifarias aos transeuntes. Podemos encontrar resquícios destas brincadeiras e tradições em certas zonas do interior do país, sendo famosos os entrudos de aldeias transmontanas, como Podence e Ousilhão, e da Beira Alta, em Lazarim. Aqui a figura típica é o careto, um personagem de máscara com um nariz saliente feita de couro,latão ou madeira, assim como roupagem tradicional, possuindo ainda um cajadoPensa-se que a tradição dos Caretos tenha raízes célticas, relacionada com os povos Galaicos da Galiza e no norte de Portugal. A máscara ibérica é a máscara típica de Portugal e Espanha, muitas delas ligadas a cultos celtas, ao solstício de inverno, à fertilidade. Os mascarados têm diversos nomes consoante a região de onde são, sendo que em Portugal destacam-se as seguintes:
  • Careto de Lazarim (Lamego);
  • Máscaro de Ousilhão (Vinhais);
  • Careto de Podence (Macedo de Cavaleiros);
  • Cardador de Vale de Ílhavo (Ílhavo);
  • Careto da Lagoa (Mira);
  • Careto de Salsas (Bragança)
  • Careto de Aveleda (Bragança);
  • Carocho de Constantim (Miranda do Douro);
  • Chocalheiro de Bemposta (Mogadouro);
  • Chocalheiro de Bruçó (Mogadouro);
  • Chocalheiro de Val de Porco (Mogadouro);
  • Grijó de Parada (Bragança);
  • Parada de Infanções (Bragança);
  • Gualdrapa da aldeia São Pedro da Silva (Miranda do Douro);
  • Belho da aldeia São Pedro da Silva (Miranda do Douro);
  • Sécia (Mogadouro);
  • Farandulo de Tó (Mogadouro);
  • Marafona de Podence (Macedo de Cavaleiros);
  • Filandorra de Rio de Onor (Bragança);
  • Zangarrão de Bruçó (Mogadouro);
  • Cachera de Torre de Dona Chama (Mirandela).
Figura 3- Caretos de Ousilhão (Vinhais).

Porém, nem todas as máscaras mencionadas são utilizadas na altura do Carnaval, muitas delas são da altura do Natal e do dia de Reis, assim como utilizadas nas festividades em nome de Santo Estêvão, caso de Ousilhão, de Aveleda, entre outros. Outras, surgem nas diversas festividades invernais que ocorrem entre o solstício de Inverno e o equinócio de Março, como em S. Pedro da Silva.

Figura 4- Carnaval de Lazarim (Lamego).
Em Lazarim, concelho de Lamego, decorre o Carnaval mais tradicional português, mantendo bem vivas tradições ancestrais que perduram ao longo dos tempos. A sua grande atração são as famosas máscaras de madeira, de amieiro, coroada com chifres e outros aparelhos que são esculpidas por artesão da vila. Esta tradição assume contornos medievais, estando carregada de referências macabras, a Belzebu e assumia um carácter assustador. As máscaras de madeira eram, por alguns, revestidas a pele de coelho, podendo ter cobras e sardões como ornamento, pregados às máscaras para que estas adquirissem ainda um aspecto mais aterrorizante.

Figura 5- Caretos do Carnaval de Lagoa (Mira).
Os caretos da Lagoa consiste num desfile de homens mascarados pelas localidades do concelho de Mira durante os 3 dias de Carnaval, vestindo as suas saias vermelhas com avental branco, camisas brancas e chocalhos e sinos a tiracolo, tendo na cabeça a  máscara campina. Diz-se que a tradição é um ritual pagão de passagem dos rapazes solteiros à idade adulta. 
Figura 6- Caretos do Carnaval de Podence (Macedo de Cavaleiros).
Em Podence moram os caretos mais famosos do país, que fazem a despedida do Inverno e anunciam a Primavera, sendo o Carnaval um ritual de passagem do tempo e de renovação das estações. Chegado o Mês de Fevereiro, os homens envergam os trajes coloridos às riscas (elaborados com colchas franjadas de lã ou de linho em teares caseiros) escondem a cabeça dentro de uma máscara de lata, prendem bandoleiros com campainha e chocalhos, deslocando-se energicamente com um cajado, chocalhando as raparigas solteiras e fazendo tropelias pelas ruas da aldeia. 
Figura 7- Cardadores do Carnaval de Ílhavo.
Os Cardadores de Vale de Ílhavo são figuras carnavalescas furtivas que surgem de todos os lados em dias de Carnaval, desaparecem e reaparecendo num ápice para cercar as pessoas, soltando gritos e dando saltos que lembram danças guerreiras, repetindo em voz de falsete: "Ai tanta lã! Ai tanta lã". entretanto passam carinhosamente as cardas nas mulheres com que se cruzam, ou agitam as campainhas à cintura e batem as carpas.

Nos Açores, mais propriamente na ilha Terceira, reside uma das formas mais peculiares do Carnaval em Portugal, as Danças e Bailinhos de Carnaval. Esta tradição, tida como a maior manifestação de teatro popular em Portugal, remonta ao tempo dos primeiros povoadores e reflete um estilo teatral bem ao jeito dos Autos vicentinos. O carnaval de Canas de Senhorim é também bastante antigo, com cerca de 400 anos, contendo algumas tradições únicas como os Pizões, as Paneladas, Queima do Entrudo e o Despique.

Em termos de Carnaval menos tradicional e organizado há a relatar que o de Loures remonta a 1934, sendo também conhecido como Carnaval Saloio, cuja principal atração são as "Mastronças do Moulin Rouge", um grupo constituído por homens que se vestem de mulher, influenciando a existência de "matrafonas" noutros Carnavais.

No Carnaval da Madeira é tradição haver dois grandes cortejos de Carnaval no Funchal: (1) o Cortejo Alegórico (2) e o TrapalhãoO Cortejo Alegórico realiza-se no sábado, nele participam vários grupos, com milhares de figurantes, que desfilam pelas principais ruas do Funchal. O Cortejo Trapalhão realiza-se na terça-feira de Carnaval, em que os populares se juntam em pequenos grupos e, por norma, contestam algumas decisões políticas, disfarçando-se de figuras públicas.
Figura 8- Alberto João Jardim e o Carnaval da Madeira.

O Carnaval de Torres Vedras tem também muita tradição, acabando por ser um dos maiores eventos carnavalescos do país, organizado pela Câmara Municipal e pela Real Confraria do Carnaval de Torres, auto-intitula-se de "o mais português de Portugal". Nos corsos participam os carros alegóricos, os grupos de desfile, as "matrafonas" e os famosos cabeçudos ou gigantones (bonecos gigantes), acompanhados pelos "Zés-Pereiras" (foliões tocando bombos e desfilando em paradaO gigantone é um boneco de figura humana com 3,5 a 4 metros de altura, típico das festas populares portuguesasromarias e cortejos de Carnaval, tendo uma estrutura que permite ser “vestido” e manuseado por uma pessoa no seu interior. A cabeça de grandes dimensões, feita de pasta de papel. Voltando ao Carnaval de Torres, é preciso mencionar que os populares também se podem associar à folia, desfilando mascarados nos espaços livres entre os carros alegóricos e os grupos de desfile e arremessando "cocotes" (pequenos objetos de papel e restos de serradura e borracha) para o público.
Figura 9- Gigantones ou Cabeçudos típicos do Carnaval português.
O Carnaval é um período de transgressão, de excessos, de sátira política e social, que nos tiram um bocado da seriedade e dificuldade que se tornou a vida contemporânea, pois como diz o ditado: "No Carnaval ninguém leva a mal!".


Bibliografia


OLIVEIRA, Ernesto Veiga de - Festividades cíclicas em Portugal. Lisboa: Publicações D. Quixote,1984.

PEREIRA, Benjamim - Máscaras Portuguesas. Lisboa, Museu de Etnologia do Ultramar, 1973.

PEREIRA, Benjamim - Rituais de Inverno com Máscaras. Bragança, Instituto Português de Museus, 2006.

PESSANHA, Sebastião - Mascarados e máscaras populares de Trás-os-Montes. Lisboa: Livraria Ferin, 1960.

TIZA, António Pinelo - Inverno Mágico, Ritos e Mistérios Transmontanos. Lisboa, Ésquilo, 2004.

www.mascaraiberica.com/

www.wikipedia.pt/

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