domingo, 16 de março de 2014

A Ucrânia, a península da Crimeia e os resquícios da Guerra Fria


Por mais voltas que se dê, a Guerra Fria nunca foi apenas um conflito ideológico entre os conceitos de comunismo e de capitalismo, mas também o reflexo rivalidades hemisféricas e económicas, consubstanciadas em diferenças sociais, culturais e religiosas, ou seja, é parte de uma batalha permanente entre o Ocidente e o Oriente.

Após a queda do Muro de Berlim e o fim da URSS, a Rússia passou por um estado de hibernação, muito devido a dificuldades económicas e financeiras, mas também por uma crise de identidade, pois não nos podemos esquecer que o Estado Socialista na Rússia teve uma duração de quase um século!!! Porém, era de prever que o gigante russo iria acordar mais tarde ou mais cedo para se envolver no jogo político-estratégico ao nível global.
Figura 1 - Mapa da Ucrânia.
A libertação dos estados orientais da Europa do jugo soviético e a sua aproximação ao Ocidente nunca poderia ser algo tão pacífico como nos quiseram levar a acreditar. Nos primeiros tempos da crise russa, a União Europeia (UE) aproveitou esse facto para se expandir para Oriente, especialmente naqueles países que já vinham manifestando a vontade de uma maior abertura aos ideais do Ocidente, todavia, a tradicional Rússia, longe da aproximação ideológica ao Ocidente pela democratização e descentralização provocada por Boris Ieltsin, está de volta, sob a orientação de um ex-KGB, Vladimir Putin.

A Ucrânia, em termos geoestratégicos, fica no "pátio" da Rússia, ou seja, funciona como Estado tampão, tanto em termos ideológicos, como em termos militares para o seu gigante vizinho. Deste ponto de vista, é claro o interesse da Rússia em ter a Ucrânia como um Estado satélite, criando um protetorado aos governos que sejam pró-russos, o que não se coaduna com a vontade de expansão da UE para um mercado apetecível, que vem crescendo paulatinamente ao longo dos anos, e que tem encontrado eco no povo ucraniano, que anseia por uma maior qualidade de vida. O que os europeus do mercado único não perceberam, é que o gigante russo iria acordar ao "cutucar" a Ucrânia, esquecendo a enorme dependência energética (gás natural) que alguns dos seus Estados têm relativamente à Rússia, e que têm uma clara desunião e inferioridade em termos militares devido ao desarmamento que teve lugar com o fim da Guerra Fria e com a consolidação da UE. A própria Ucrânia é também bastante dependente dos recursos energéticos russos, daí o acordo que fizeram com a Rússia no sentido de ceder a esta a instalação de uma base militar em Sebastopol (cidade autónoma que fica na península da Crimeia) em troca de 40 mil milhões de dólares em gás natural.

A Crimeia é uma região da Ucrânia que tem maioria de população russa, quase ascendendo aos 60% (o restante divide-se entre ucranianos e tártaros), pelo que não é de estranhar que tenham recebido o presidente pró-russo Viktor Yanukovich após o golpe de estado que o depôs como governante da Ucrânia. Os laços genéticos e culturais da população da Crimeia estão com a Rússia, e deste modo não é de estranhar que estejam do seu lado contra a integração da Ucrânia na UE, preferindo sair do estado ucraniano para se integrar no estado russo, tal como o referendo irá confirmar, ainda para mais com a atual ocupação militar e propaganda na região pelos russos, pelas irregularidades que se estão a assistir durante o ato eleitoral e pelo boicote dos tártaros ao mesmo. 
Figura 2- Manifestação ucraniana pró-UE em Kiev (2013).
Desde tempos remotos que a região da Crimeia sofreu ocupações de diferentes povos, desde os cimerianos, citas, gregos, godos, hunos, bizantinos, mongóis, italianos (venezianos e genoveses), até à ocupação da península pelos Otomanos em 1475. Os Tártaros, povo asiático de religião islâmica, afluíram à região desde o século XIII e consolidaram-se ainda mais com o domínio turco da Crimeia, tornando-se a etnia dominante na região praticamente até ao século XX, mesmo com a conquista do território pelos russos em 1777, que tornou a Crimeia num protetorado até 1783, quando é definitivamente anexada pela Rússia. A Península foi palco da denominada "Guerra da Crimeia" (1853-1856) que opôs os russos contra o ocidente (Reino Unido, França e Sardenha) e os otomanos, culminado com a vitória destes últimos. Durante a guerra civil russa (1919-1922) também foram travadas duras batalhas, tendo sido formada a Republica da Crimeia que, em 1922, aderiu à URSS. Foi na Crimeia que se deu a viragem 2ª Grande Guerra, quando os soviéticos retomaram a região em 1944, que havia sido praticamente conquistada pelos alemães (com exceção de Sebastopol).

José Estaline, o ditador soviético, aproveitou o este período para fazer uma limpeza étnica na Península, pela deportação e genocídio dos tártaros e de outras etnias que ali residiam, acusando-os de compactuarem com a ocupação nazi, uma ação que apenas em 1989 foi considerada ilegítima pela ONU. Esta operação de russificação de áreas geográficas não foi "virgem" na História da URSS, de relembrar a deportação de alemães da região historicamente germânica de Kaliningrado (antiga Königsberg), passando de uma maioria populacional alemã para uma maioria russa. Entretanto em 1954, o ucraniano Nikita Khruschev, líder da URSS à data, transfere a região da Crimeia para a Ucrânia, como presente da comemoração dos 300 anos de amizade entre os 2 estados, o que apesar das tensões criadas, se manteve com a proclamação de independência do país em 1991, após referendo.
Figura 3- Fotografia Nazi que documenta a operação Barbarossa, que previa a invasão da URSS (1941).
Sou a favor da autodeterminação das populações para decidir o seu destino e creio que a integração da Crimeia na Federação Russa é a melhor solução, desde que permita à Ucrânia aderir à UE sem haver qualquer represália, mas convém lembrar que o modus operandi dos russos não deve ser legitimado, tanto pelo que fizeram no passado, como pelo que estão a fazer no presente, a ONU, os EUA e a UE devem unir-se no sentido de procurar a melhor solução para a região e evitar que a extrema-direita nacionalista da Ucrânia tome conta do sentimento de injustiça que possa grassar naquele país.

3 comentários:

  1. Concordo o referendo é a melhor solução, seja ele manipulado ou não......Mas e se fosse a Madeira ????:)

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    1. Sou a favor da autodeterminação dos povos, ou seja, acho que os povos que vivem em cada lugar é que devem decidir, por maioria clara, se querem pertencer a este ou aquele país, ou se querem governar a si próprios.

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  2. Como disse no início do post a questão maior(para além do direito de soberania que é importante)é a luta de civilização e de poder entre o ocidente e o oriente,e parece-me evidente que(para além de sabermos que os russos no poder não são anjos na Terra)os poderes que manobram os governos ocidentais têm por objectivo tomar o mundo todo para lucro e saberá Deus e o Diabo o que mais.

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