As posições do Estado que se têm perfilado relativamente ao serviço público de televisão são essencialmente três, que, obviamente, se podem dividir em diversas variantes. As posições são: (1) manutenção dos 2 canais públicos; (2) privatização dos 2 canais públicos; (3) manutenção de 1 canal e a privatização do outro canal público.
Relativamente à 1ª situação, a RTP1 manter-se-ia como canal pela “luta” das audiências, tentando ajustar o serviço público à necessidade de obter audiência, mantendo a RTP2 como canal que “rema contra a maré”. Trata-se no fundo de tentar colher os frutos da reestruturação e fusão de 2004, aglutinando a RTP e a RDP, com vista à partilha de unidades orgânicas, chefias e recursos humanos, com um consequente emagrecimento de pessoal, o que tem acontecido a bom ritmo, com rescisões por mútuo acordo e situações de pré-reforma que permitiram reduzir bastante os gastos operacionais da empresa. O caminho de reestruturação ainda vai a meio e esta solução passaria por deixar “as coisas” seguirem o seu curso normal, mas a visão liberal, a meu ver, persistirá independentemente disso enquanto recursos do Orçamento de Estado forem desviados para sustentar a televisão pública, correndo-se o risco de eternizar a questão.
A privatização dos 2 canais públicos seria a solução ideal para quem não acredita que Portugal necessite de um serviço público de televisão, pelo que as atribuições que lhes estão competidas poderão ser prosseguidas por outros meios à disposição do Estado. Ainda assim há quem acredite que é possível dispor de um serviço público de televisão com a alienação total da RTP, através da contratualização de programas com esse cariz com as televisões privadas. É uma solução que traz alguns problemas, primeiro porque envolve uma negociação em que os valores dependerão da duração dos programas e das horas e dias em que serão exibidos, uma operação que ficará mais cara se a programação for no prime time televisivo, que no fim de contas seria o ideal para a obtenção da audiência que um verdadeiro serviço público necessita. Depois há sempre o risco de acusações do Estado estar a financiar privados e de subverter as regras de concorrência pelo favorecimento a um canal específico, para além do mais, poderá condicionar ou influênciar a linha editorial da estação privada a favor do partido no Governo. Continua a ser uma situação em que escassos recursos do Estado financiariam um serviço público, desta vez em privados, o que iria desagradar a sectores liberais e a sectores conservadores, criando também situações de avanço e recuo que eternizarão a questão. Contudo, parece óbvio que nesta solução a Entidade Reguladora para a Comunicação Social terá de ter mais força e um papel mais activo na defesa do interesse comum.
Por fim, a situação do “meio-termo”, a manutenção de um canal como público e a privatização do outro. É uma solução capaz de agradar a gregos e a troianos, contudo, nos moldes em que se falam não me parece que seja uma solução benéfica para o Estado, especialmente pelas questões que muitas vezes são esquecidas quando se prepara uma operação deste género. A RTP hoje em dia é uma empresa que fornece serviços de rádio e televisão, dispõe de um museu e de um enorme acervo arquivístico audiovisual, fonográfico e fotográfico. Os serviços foram aglutinados na Avenida Marechal Gomes da Costa, uma área reformulada para albergar as 2 empresas de Comunicação, a RTP e RDP, com a consequente alienação das antigas sedes[1].
Deste modo, é importante descortinar o que se vai alienar e como. Discute-se a alienação da RTP2 e porventura a extinção da Antena 2, coincidentemente, ou não, os meios de comunicação de serviço público mais puristas, mas também aqueles que chegam a menos pessoas. Que infra-estruturas e recursos humanos estarão no “pacote” de privatização? Numa fase de simbiose de infra-estruturas, meios técnicos e recursos humanos entre os diversos sectores da empresa, o verdadeiro problema será decidir o que ficará no público e o que partirá para as mãos de privados, sendo que no caso do património imóvel e móvel, a questão é particularmente complicada, pois se vendido, e dentro da lógica da manutenção de outro canal, terão de haver um investimento forte em infra-estruturas e recursos técnicos que dificilmente o dinheiro ganho pela privatização poderá cobrir. Neste processo, não nos podemos olvidar da enorme complexidade que a RTP reveste, falo não só da RTP1 e RTP2, mas de RTPN, RTP Memória, RTP África, RTP Internacional[2], Antena 1, 2 e 3, RDP África e RDP Internacional, que actualmente se situam na sede da Avenida Marechal Gomes da Costa, assim como o museu e parte do arquivo audiovisual e fonográfico.
A questão do Arquivo é algo complexa. A RTP elaborou um protocolo com a Cinemateca, em que o acervo em suporte antigo e obsoleto passaria a ser gerido pelo ANIM, contudo, esta entidade ainda não tem a capacidade para receber tamanho material, e refiro-me somente à questão das “imagens em movimento”, a situação relativa ao espólio da rádio ainda não foi abordada. É natural que o Estado ainda não tenha as infra-estruturas com capacidade e condições ideais de preservação para receber este material, pois requer um grande investimento, mas é algo que terá de apressar com a privatização da RTP. Actualmente, não se pode dizer que o material disponha das condições ideais de preservação no local onde está situado, mas é um facto que dispõe de algumas prerrogativas essenciais, que constituem um pesado encargo para a televisão do estado[3]. O protocolo referido deu origem a um projecto de digitalização do material audiovisual que faz parte da história da RTP e do país, algo a que o ANIM não terá acesso, pois esse material faz parte dos processos de negócio da RTP, o que levanta outra questão: que direitos terão os compradores privados sobre o grande activo de documentação audiovisual da RTP? A solução lógica seria a integração do material audiovisual, fonográfico, fotográfico e documental no Estado, tanto da perspectiva analógica como digital, o que a meu ver retiraria algum valor à empresa que vai ser privatizada.
Na minha óptica, a solução passará por manter um canal público de televisão que seja auto-sustentável através de receitas próprias, sem recurso ao dinheiro do Estado, pondo fim a conversas de despesismo dos dinheiros públicos. Em vez de privatizar, a minha ideia passa por extinguir a RTP2, ao mesmo tempo poder-se-ia abrir uma vaga para a realização de concurso para um novo canal privado de televisão, algo já pensado para uma realidade de 5 canais abertos, e com deslocações de alguns dos recursos humanos afectos à RTP para esse novo empreendimento. Penso que a auto-sustentabilidade da RTP é perfeitamente alcançável nos moldes da programação actual, com algumas alterações evidentemente, que possam englobar alguma da programação que existe na RTP2 e com um reforço na aposta na produção nacional de conteúdos televisivos e cinematográficos que tem vindo a ser levada a cabo. O equilíbrio entre o fornecimento de serviço público e a obtenção de um bom share é perfeitamente compatível, é um trabalho que deve ser entregue aos técnicos, mas avaliado pelo accionista Estado, não devendo limitar a RTP1 de chegar a boa parte do público nacional, sendo que o vídeo on demand, a disponibilização na internet e a RTPN poderão suprir as lacunas que a extinção da RTP2 poderá trazer a panorama educacional e cultural do país.
[1] A RTP dispõe de uma sede na área do Grande Porto (estúdios do Monte da Virgem, Gaia), nos Açores e na Madeira, para onde também confluíram os serviços de rádio.
[2] Para este caso não interessa muito a situação da RTP Madeira ou RTP Açores.
[3] Actualmente o espólio obsoleto encontra-se num armazém alugado na zona do Prior Velho.