terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Querido líder!

De acordo com as notícias que saem da Coreia do Norte, os coreanos estão lavados em lágrimas, desolados pela morte do seu "Querido Líder"... sem saber como irão conseguir sobreviver sem o tirano! "Mas não há razões para temer", dizem os órgãos de comunicação social norte-coreanos, o filho da mulher preferida de Kim Jong-Il, Kim Jong-Un, fará as delícias do povo... ou não! O mundo ocidental, por outro lado, vibra com a notícia, pois vê uma ténue hipótese de quebrar o último grande muro que ainda resta da "Guerra Fria", o do paralelo 38, resolvendo questões diplomáticas graves relativamente a um possível conflito militar que pudesse advir da política belicista do "Querido Líder".

O início da História da Coreia tem por base uma lenda do século XIII que refere a existência de um proto-estado do Calcolítico na zona actual da Península e parte Nordeste da China, o reino Gojoseon fundado por Dangun Wanggeom, o "neto dos céus", com capital na área de Pyongyang. O Reino perdurou até 108 aC, quando foi invadido pelos chineses da Dinastia Han, formando na área a norte os "4 Comandos de Han", que foram caindo, até restar o Comando Lelang, que só viria a cair em 313 dC. Esse tempo ficou conhecido como o "Período dos Vários Estados", em que no restante território da península coreana se foram formando e caindo diversos Reinos, estabilizando no "Período dos 3 Reinos". Os 3 Reinos da Coreia eram Goguryeo, Silla e Baekje, que rivalizavam e aliavam-se entre si, através de conflitos militares, pelo controlo da península. O primeiro reino referido, Goguryeo, era o mais poderoso e entrava em conflitos periódicos com a Dinastia Tang da China, ficando na zona Norte da Península, já Baekje situava-se na zona Sudoeste, concentrando-se em torno da actual Seul, por fim, o reino Silla era o mais recente, situando-se no Sudeste da península. Porém em 660 dC, o rei Muyeol de Silla  formou uma aliança com a Dinastia Tang e conquistou Baekje. No ano seguinte, a coligação, atacou infrutíferamente Goguryeo, que só viria a cair na campanha de 667, unificando quase toda a península sob o jugo de Silla.

No século IX o reino de Silla passou por tumultos sociais que ajudaram à sua queda. No reino vigorava um sistema de classes (bone rank, com 5 níveis), em que os cargos governamentais eram transmitidos por via hereditária, um sistema que a família real utilizava para dominar politicamente o reino, mantendo o poder dentro do seu sangue ou do seu circulo social, a alta nobreza. A nobreza local, hojok, formaram exércitos próprios, o que lhes deu algum poder para questionar o poder central e estabelecer poderes regionais autónomos. A cisão tomou contornos mais graves a partir de 2 eventos: (1) a crise sucessória ao trono, com a morte do rei Hyegong; (2) a revolta campesina de 889, devido aos elevados impostos que a Coroa e os Nobres tributavam. Silla tornou-se nos 100 anos seguintes um reino muito instável, com revoltas e golpes de Estado. No ano de 900 um antigo general de Silla, Gyeon Hwon, liderou tropas rebeldes na conquista de regiões no Sudoeste e no cerco à capita Mujinju, declarando-se posteriormente rei de Hubaekje, que pegará no legado do antigo reino de Baekje. Outro nobre dissidente de Silla, Gung Ye, formaria, pela força, o reino de Hugoguryeo (mais tarde Majin) em 904, formando uma nova tríade de reinos rivais.

Com as sucessivas conquistas, o reino Majin torna-se na potência militar da região, conquistando 3/4 da península, e Gung Ye torna-se num líder cada vez mais déspota, denominando-se Maitreya Buddha, fundido o poder político com o religioso. O general Wanggeon lidera uma revolta em 918 que o retira do poder, formando uma nova dinastia, denominada Goryeo, que se dizia descendente do antigo reino de Goguryeo. A fragilidade de Silla foi aproveitada por Hubaekje e Goryeo, disputando o seu território e rivalizando entre si, mas em 935 o rei Gyeongsun rende-se a Goryeo, aproveitando um momento de conflitos internos em Hubaekje, aquando da sucessão de Gyeon Hwon, que havia nomeado o seu filho mais novo, Geumgang, como o herdeiro do reino, o que originou uma revolta dos seus filhos mais velhos (de uma esposa anterior), com um golpe de estado que colocou Singeom, o filho mais velho, no trono, desterrando o seu pai num templo Geumsan, que por sua vez não tardou em escapar e juntar-se a Goryeo.

Goryeo tornou-se no reino dominante, conquistando Hubaekje em 936, reunificando a península e governando-a do século X até aos finais do século XIV. Neste período surgem códigos legislativos, uma Administração Pública, um forte desenvolvimento "industrial", o Budismo espalha-se por todo o território, apesar de conflitos com os confucionistas. As invasões mongóis do século XIII causaram alguma desrupção no reino, mas foi conseguida uma certa autonomia com a assinatura de um tratado de paz que o colocaria como um reino vassalo da dinastia mongol Yuan da China.

Em 1392, através de um golpe de estado, forma-se a dinastia Joseon (em honra de Gojoseon, "velho" Joseon), aproveitando a desintegração do império Mongol e o surgimento da dinastia Ming na China. A China dos Ming enviou a Goryeo em 1388 uma mensagem a exigir a devolução de parte do território do Norte de Goryeo. O general Choe, que fora suportado pela dinastia Yuan, entendeu a mensagem como uma declaração de guerra e atacou  a península de Liaodong, um território que faria parte do antigo reino de Goguryeo, tendo escolhido o general Yi Seong-gye para essa tarefa. Porém, Yi revolta-se e destrona o rei U em favor do seu filho Chang, mas mais tarde, devido a um contra-golpe, coloca Gongyang no trono, mas por um breve periodo, até ele próprio assumir a liderança de Goryeo, tornando-se no rei Taejo, eliminando os aristocratas leais aos reis anteriores, renomeando o reino como Grande Joseon, movendo a capital para Hanyang (actual Seul), onde construiu o palácio Gyeongbokgung, e formando a dinastia Joseon que durou 5 séculos.

Em 1394 o confuncionismo é adoptado como a religião oficial do reino, o que limitou a expansão do budismo. Com o rei Sejong o Grande o reino atravessou um período de grande prosperidade e inovação cultural e tecnológica, tendo sido promulgado o hangul, o alfabeto coreano. Contudo, nos séculos XVI e XVI a dinastia foi sendo enfraquecida pelas invasões do Japão (entre 1592 e 1598), da dinastia Qing da China e da Manchúria, levando a uma política isolacionista do reino, exacerbada também pelo medo do imperialismo ocidental, ficando conhecido como o "Reino Eremita". Depois das invasões da Manchúria, Joseon conheceu um período de 200 anos de paz. No século XIX, conflitos internos e a pressão internacional levou ao fim da dinastia Joseon, sob o jugo colonial japonês.

O Japão, depois da restauração Meiji, adquiriu tecnologia militar proveniente do Ocidente, e com essa vantagem forçou Joseon a assinar o Tratado de Ganghwa em 1876, abrindo os seus portos para o comércio e acabando com o protectorado chinês do Reino. Em 1894 assistiu-se à Revolta Campesina de Donghak, em que os camponeses, liderados por Jeon Bong-jun, derrotaram as força do líder local, Jo Byong-gap, na batalha de Go-bu, cujos bens foram distribuidos pelos camponeses. A incursão do exército campesino continuou, chegando até Jeonju, altura em que o governo de Joseon pediu ajuda à Dinastia Qing para debelar a revolta, tendo sido enviados 3.000 homens que forçaram os rebeldes a assinar as tréguas. Os japoneses consideraram a presença chinesa na península uma afronta e enviaram 8.000 homens para a região, tomando Seul e colocando um governo "fantoche" pró-japonês à frente do reino em 1894, o que deu origem à 1ª Guerra Sino-Japonesa, travada na Coreia. A imperatriz Myeongseong havia tentado combater a interferência japonesa na Coreia, pedindo apoio à China e à Russia, e deste modo é assassinada em 1895 por espiões nipónicos, orquestrado pelo Ministro japonês para a Coreia, Miura Goro.

A Dinastia Qing deu-se por derrotada no Tratado de Shimonoseki (1895), que garantia a independência da Coreia da China e uma hegemonia nipónica na região. Para reforçar o nacionalismo e integridade do reino, o imperador Gojong forma o Império da Coreia em 1897, um curto período em que se procurou desenvolver o país economicamente e tecnologicamente através de contactos com a Rússia. Em 1904 deflagra a guerra Russo-Japonesa sobre a Coreia, que termina com a vitória nipónica na batalha naval de Port Arthur em 1905, à qual se seguiu o Tratado de Portsmouth. O Japão ganha um maior domínio sobre a Coreia, tornando-a num protectorado pelo Tratado de Eulsa (1905), para a qual foi nomeado governador Ito Hirobumi, que acabaria por morrer assassinato pelo independentista coreano An Jung-geun em 1909. O imperador Gwangmu foi obrigado a abdicar do trono em 1907 em favor do seu filho, Sunjong, que se tornaria no segundo e último imperador da Coreia. Em 1910 o Império da Coreia foi anexado pelo Japão, por força do Tratado de Anexação Japão-Coreia, iniciando um período de domínio colonial nipónico de 35 anos.

A derrota japonesa na 2ª Grande Guerra pelos aliados, fez dividir o território coreano por 2 zonas de influência, durante a "Guerra Fria". Em 1945 os japoneses foram expulsos da Coreia pela guerrilha liderada por Kim Il-sung, apoiada pela URSS, ocupando quase toda a península, à excepção de Pusan, ocupada pelas forças americanas. O comité provisório popular da Coreia do Norte elaborou uma reforma agrária, abolindo a propriedade feudal, nacionalizou indústrias e a banca, proclamou a igualdade dos sexos e elaborou uma campanha de alfabetização. Em 1948 a Assembleia popular proclama a República Popular Democrática da Coreia, com capital em Pyongyang.

A Coreia do Norte, não reconhecendo legitimidade à República da Coreia e após a realização de eleições legislativas nesse território, tentou unificar o país avançando para Sul, nas zona dominada pelos americanos. O boicote da URSS ao Conselho de Segurança das Nações Unidas permitiram ao EUA considerar a Coreia do Norte como agressor e de fazer votar nas Nações Unidas uma acção militar contra a Coreia do Norte. Em Outubro 1950, os EUA invadiram a Coreia, que se encontrava apoiada pela China e URSS, dando origem a um confronto que duraria por 3 anos, até à assinatura do armistício de Panmunjeon, criando uma zona desmilitarizada, o paralelo 38, com influência soviética a Norte, e influência americana a Sul, formando-se dois países divididos que se proclamam como os herdeiros legítimos da nação coreana, faltando ainda a assinatura de um acordo de paz. Seguiram-se ligeiros confrontos fronteiriços e tentativas de assassinato a líderes sul-coreanos, como o atentado de Rangoon, em 1983, ao presidente Chun Doo-hwan, até que em 1976, a morte de dois militares americanos na zona  desmilitarizada da Coreia, que terão sido ordenados por Kim Jong-Il, filho de Kim Il-sung, que deu origem à operação Paul Bunyan que quase fez escalar um conflito de maior envergadura entre os dois blocos.

No Norte formou-se um regime à imagem da URSS, de ideologia comunista, monopartidário (Partido dos Trabalhadores Coreanos), totalitário e com um forte culto à personalidade. O governo de Kim Il-sung, o Presidente Eterno, adoptou a ideologia Juche, de auto-subsistência, identificando a população coreana como o verdadeiro motor do desenvolvimento do país. A crise petrolífera dos anos 70 mergulhou o país numa crise profunda, que veio a ser agravada pelo colapso da URSS e por uma série de desastres naturais, provocando um grave problema de alimentar, o que causou a morte de 900.000 a 2.000.000 de pessoas.

Na Coreia do Sul, sob um apertado controlo militar americano, o país viveu um período autoritário e ditatorial de direita, liderado por Syngman Rhee, que liderou o país até à revolta estudantil de 1960. Seguiu-se um período de instabilidade política, que terminou com o golpe militar do general Park Chung-hee, assumindo o controlo do país através de uma ditadura militar até ao seu assassinato em 1979. Seguiu-se outro golpe de Estado pelo general Chun Doo-hwan, que fez vigoral a lei marcial e reprimiu qualquer oposição ao seu poder, apesar dos protestos da população a favor da Democracia, como aqueles que ocorreram em Gwangju, fortemente reprimidos. A liderança despótica de Chun terminou em 1987, após um enorme levantamento popular contra o Governo após a tortura e assassinato de um jovem estudante universitário, originando eleições directas para a presidência, que foram ganhas à tangente por Roh Tae-woo, pertencente ao partido de Chun.
Figura 1- Cartaz de Propaganda norte-coreano.
Nos anos 90 a Coreia do Sul fez a transição para uma Democracia Liberal, no Norte, com a morte de Kim Il-sung (1994), seguiu-se uma transição para uma monarquia absolutista, passando o poder hereditariamente para Kim Jong-il, que segue a mesma linha isolacionista, secretista e belicista, adoptando a songun, uma política militar de modo a fortalecer o país e o seu governo, sendo o Estado mais militarizado do mundo, com um programa de armas nucleares que tem originado conflitos com a comunidade internacional, nomeadamente com os EUA. Entretanto, no fim dos anos 90, as Coreias adoptam a "Política do Amanhecer" numa cimeira em Pyongyang, com vista à aproximação dos dois Estados.

O armistício viria a ser interrompido em Maio de 2009 pela Coreia do Norte, quando a Coreia do Sul anunciou a adesão ao programa de "Iniciativa de Segurança contra a Proliferação", criada pelos EUA para impedir o tráfico mundial de armas de destruição massiva. A Coreia do Norte prosseguiria o seu programa de enriquecimento de urânio apesar da sanções da comunidade internacional, que a vê como um barril de pólvora prestes a explodir. Porém, com a morte de Kim Jong-Il abre-se uma janela de esperança relativamente ao futuro da península coreana, esperando-se Kim Jong-Un, o "grande sucessor", se desvie da linha seguida pelo pai por uma de convergência com a comunidade internacional e de uma progressiva unificação com a sua vizinha do Sul, algo que será sempre limitado pela China. No fundo são a mesma nação, divididas por uma guerra fria moribunda e ideologicamente falida, que partilham a mesma identidade, cultura e língua.

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