terça-feira, 9 de outubro de 2012

Augusto Mateus pelo DN

Vale a pena ler as reportagens do DN com o economista Augusto Mateus. O antigo Ministro das Finanças avança com algumas críticas, sem entrar no populismo, em relação ao caminho que o Governo está a tomar para o país, apontando também algumas medidas que podem ser interessantes.
Figura 1- Augusto Mateus
De facto o país precisa de mais tempo para se reajustar, pois a "manta" não chega a todo o lado, quando "se tapa de um lado, destapa-se de outro". O grande problema de Portugal passa pela produtividade e competitividade, mas as medidas anunciadas no corte da despesa são inevitáveis, se calhar umas são de grande injustiça e terão de ser corrigidas a longo prazo, mas sabendo que a maioria da Despesa do Estado está em Salários da Função Pública e em Prestações Sociais (reformas, subsídios de desemprego, etc...), e que um dos grandes objetivos que a troika tem para Portugal é a redução do défice, parece-me lógico que os cortes sejam feitos na Função Pública. O problema é que a curto prazo algumas dessas medidas terão o efeito de aumentar os encargos em Prestações Sociais e diminuição da receita fiscal, nomeadamente a "libertação" de funcionários públicos com contratos a prazo, que por sua vez só poderá ser corrigido com crescimento económico e a consequente criação de empregos.



A estratégia do Governo não é "tonta" mas "está errada"

A estratégia do Governo não é "tonta", mas "está errada", faltando-lhe uma componente económica, defende Augusto Mateus, em entrevista à Lusa.

"O que o Governo ainda não percebeu é que a sua estratégia é estritamente financeira, e dentro de uma estratégia financeira, uma estratégia de deflação para criar condições para um novo começo, e isto é defensável, não é tão tonto como alguns críticos do Governo tentam fazer crer, mas não sendo tonto, é errado", diz, em entrevista à Lusa, o economista. Porquê? "Porque nunca há tempo para que isto dê resultado". "Não é possível que estas estratégias possam alcançar o tempo para esse novo começo. Esse novo começo está para além do definhamento da sociedade, do definhamento da economia, da quebra da confiança, da desesperança", explica Augusto Mateus.

O antigo ministro lembra que "a variável chave da economia é tempo, não é dinheiro", e que o tempo pressuposto no modelo defendido pelo Governo "é excessivo" e que levará a um "ponto de rutura" que "conduz a economia para demasiado baixo de onde ela já não vai recuperar como podia recuperar". Assim, o economista considera que a política do Governo é insuficiente já que utiliza uma estratégia estritamente financeira onde não há estratégia económica.

"Estamos numa situação em que há uma estratégia estritamente financeira sem nenhum enquadramento económico e é preciso que haja uma estratégia económica onde esta estratégia financeira entre". Augusto Mateus lembra que, para além, da redução da despesa pública e do aumento da carga fiscal, Portugal enfrenta "uma política monetária que conduz a uma contração do financiamento líquido da economia ao setor não financeiro".

Assim, "temos uma correção do endividamento das famílias, que é positivo, mas tem um problema complicadíssimo que é uma restrição da evolução do crédito ao setor não financeiro que vai gerar para o mundo empresarial, para aquilo que chamamos o setor transacionável, uma dupla restrição de política económica: orçamental e monetária". E é perante esta situação que Augusto Mateus considera uma "loucura querer ter o financiamento da economia não incluído na estratégia financeira".

"A situação está desenhada e o Governo em vez de tirar a ilação de que tinha que ter medidas mais específicas, mais bem pensadas e com o acompanhamento entre o financeiro e o económico vai repetir a dose do aumento dos impostos", lamenta o economista. Mas a crítica do economista não se dirige apenas ao Governo. "O que estou a dizer contrasta não só com o discurso oficial do Governo como com o discurso oficial da oposição", lembra Augusto Mateus.

"É errado ter uma estratégia financeira de consolidação orçamental sem estratégia económica, que é a posição do Governo, mais errado é ainda a posição das principais críticas da oposição, que é querer uma estratégia de crescimento centrada no Estado, que é absolutamente impossível. Não teríamos crescimento, nem consolidação orçamental nem dinheiro". Augusto Mateus defende, aliás, que "não podemos moderar a consolidação orçamental", mas "não a podemos é fazer sem pôr a economia a crescer e só podemos pôr a economia a crescer se houver investimento privado".

"Não é escolher entre o Real Madrid ou o Barcelona, não é usar o cachecol da austeridade ou o do crescimento. Isto é usar os dois, porque se não usarmos os dois somos derrotados. Se só quisermos crescimento somos derrotados pela incapacidade financeira, se só usarmos o cachecol da austeridade somos derrotados porque a economia vai gerando desemprego, vai entrando num caminho de recessão e não há solução para isso".



Redução do défice externo "é positiva, mas não é sustentável"

A redução do défice externo embora seja "positiva", "não é sustentável", assegura Augusto Mateus, em entrevista à Lusa, acrescentando ainda que "no discurso do Governo há a sobrevalorização dos aspetos financeiros", porque "é só nisso que o Executivo pensa".


A redução do défice externo tem sido o facto mais destacado pelo Governo para se justificar quando diz que o programa de ajustamento está a correr de forma positiva. As últimas estimativas do Governo mostram que o saldo da balança de pagamentos e de capital vai registar um valor positivo em 2013 depois de registar um défice de 8,4% do Produto Interno Bruto em 2010.

O economista explica as razões desta melhoria e começa por lembrar que "as exportações têm mantido uma dinâmica interessante". Mas recorda que "o essencial deste ajustamento está na violentíssima compressão do investimento e na violenta compressão do consumo". O antigo ministro recorda que Portugal vai "investir este ano menos de 30 a 35% do que investiria se mantivesse o nível de investimento que alcançou em 2000, 2001. É uma coisa colossal. E como não se investiu não se importa o que é necessário para os investimentos". Depois, "o consumo privado este ano vai cair um pouco mais de 6% e, portanto, também não importamos aquilo que alimentava a parte importada desse consumo", prossegue o professor universitário. Logo, conclui o economista, "tem o seu quê de artificial essa redução do défice externo. São resultados positivos que valorizo, mas têm de ser interpretados e sobretudo não são sustentáveis".

Passando do défice externo para o défice orçamental, o economista regista que foram feitos cortes importantes na despesa, mas lembra que o essencial, a reforma do Estado, continua por fazer. "Se o barco estava a meter água, agora continua a meter, continuamos a piorar, mas a um ritmo completamente diferente", sublinha Augusto Mateus, adiantando, no entanto, que a redução da despesa foi feita "fundamentalmente à custa da redução dos salários da Função pública, do aumento dos impostos e da redução dos rendimentos dos pensionistas e dos reformados". E Porquê? "Porque o coração da despesa pública, os chamados consumos intermédios são menos de 10% da despesa pública".

É perante esta realidade que Augusto Mateus diz que é preciso refazer o Estado. "É preciso ter a coragem para repensar o Estado, repensar as suas funções e conseguir dar aos portugueses até mais bens e serviços públicos, mas com menos custos. E isso é possível".
"Não podemos ter um estado organizado para dar trabalho a 'x' pessoas, temos de ter um estado organizado para dar bens e serviços à sociedade, às famílias e às empresas e se o pudermos fazer com 10 pessoas e não 20 é isso que temos de fazer", explica ainda.

Augusto Mateus admite que esta transformação iria gerar "durante três, quatro, cinco, dez anos dificuldades para pessoas concretas", mas que o que deve ser feito, então, é "gerir as dificuldades dessas pessoas concretas sem pôr em causa a eficiência do Estado". "Temos passado a vida a fazer o contrário, para não gerarmos dificuldades a pessoas concretas vamos gerando um Estado completamente ineficiente e vamos criando cada vez mais problemas", conclui.



"Daqui a um ano teremos o mesmo problema que temos agora"

O economista Augusto Mateus diz que a concretizarem-se as medidas de austeridade anunciadas e se o Governo não corrigir a sua estratégia, daqui a um ano Portugal estará com os mesmos problemas que tem hoje.


"O que está anunciado [para o Orçamento de 2013] significa que, grosso modo, daqui a um ano teremos o mesmo problema que temos agora e que dará aos portugueses uma desesperança total", lamenta o economista em entrevista à Lusa. "Estaremos a perceber que apesar de aumentarmos muito as taxas dos impostos, os impostos arrecadados não vão crescer aquilo que se pensava e ao não crescerem aquilo que se pensava vão precipitar em baixa aquilo que é um não cumprimento das metas de défice traçadas", assegura o professor universitário.

O Governo anunciou no dia 03 de outubro "um enorme" aumento de impostos, nas palavras do ministro das Finanças, com especial incidência no IRS, com uma redução de escalões de oito para cinco e a criação de uma sobretaxa de 4%. Foram ainda anunciadas mexidas de agravamento no IRC e nos impostos sobre o consumo. Em 2013 haverá ainda um agravamento do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), por via da reavaliação aos imóveis que está a ser feita desde o final de 2011.

É neste cenário que Augusto Mateus diz que Portugal ainda não atingiu um ponto de rutura, mas também admite que os próximos seis meses são determinantes. "Este é o momento da inteligência, é o momento em que se percebe que esta estratégia é incompleta e desse ponto de vista está destinada ao fracasso", alerta Augusto Mateus. E portanto, adianta o antigo ministro da Economia do Governo socialista liderado por António Guterres, este "é o momento de tornar a estratégia completa" revendo "o grau de inteligência da austeridade, sobretudo na redução do impacto negativo sobre as variáveis chave e a variável chave é o investimento privado". Mas também é o momento para o Governo levar a cabo "políticas de competitividade e de promoção do investimento".

Se nada for feito nesse sentido, Augusto Mateus alerta que "entraríamos num ponto de rutura no sentido de que seria irreversível que a economia portuguesa se ajustasse mais abaixo do que pode ajustar. Em que os sacrifícios e a destruição de valor fossem mais longe do que deveria ou poderia ir"."Ainda não estamos aí, mas lá chegaremos se nos próximos seis meses, sensivelmente no fim do primeiro trimestre de 2013, não tivermos sido capazes de corrigir esta estratégia. Seguramente aí estaremos no início de uma espiral depressiva e de um crescimento ainda mais significativo do desemprego e de uma situação muito difícil para as empresas e para a sociedade portuguesa no seu conjunto".

Questionado se podemos chegar à necessidade de reestruturar a dívida, o economista responde: "Restruturações de dívidas, coisas mais radicais, serão inevitáveis se isto descarrilar, mas para agora basta corrigir o que está errado, do lado da inteligência na austeridade, e completar do lado de uma estratégia económica verdadeira onde a austeridade e a estratégia financeira possam entrar e ter o seu lugar". Por último, Augusto Mateus deixa um apelo: "É preciso que as pessoas sintam que a terra não lhes está a fugir debaixo dos pés que é o que toda a gente sente".

O professor universitário diz que o pior que poderia acontecer, neste momento, era Portugal somar à crise económica uma crise política, mas também não esconde que a democracia tem sempre soluções. Portanto, "é preciso que o Governo, seja ele qual for, seja este com as correções internas ou externas que possa sofrer, seja qualquer outro (...), que alguém com responsabilidade ajude os portugueses a perceber que tem os pés em terreno firme. Isto é, caiu, está numa situação mais difícil do que estava, mas pisa terra firme, o que as pessoas sentem é que não pisam terra firme, não sabem o que é o futuro, não sabem o que é o presente e, portanto, isso é essencial".



Augusto Mateus diz que a chave para sair da crise é o investimento privado

A chave para Portugal ultrapassar a crise é apostar no investimento privado, assegura o economista Augusto Mateus, que apresenta exemplos concretos de medidas a adotar.


"A sociedade portuguesa tem de perceber que o investimento privado é a chave para sair da crise", sublinha o antigo ministro da Economia do governo liderado por António Guterres. "O Estado tem de garantir bons serviços de saúde, educação, cidades ordenadas, território organizado, ambiente protegido. É aquilo que o Estado pode fazer. O estado não vai investir como se fosse uma empresa, nem pode. Já fizemos mais do que devíamos e já nos está a custar em termos de dívida pública", lembra, em entrevista à Lusa, o economista.

E como é que se promove e capta esse investimento, por decreto? "Não. Criam-se condições", diz, avançando exemplos de medidas. Para Augusto Mateus, o Estado deve "criar um quadro de confiança e de parceria com o investimento privado partilhando benefícios sobre o êxito". Portugal precisa de "exportar mais, de criar mais emprego, de empresas mais produtivas, de investimento", logo, é possível dizer "às empresas que se apresentarem resultados palpáveis nesta matéria, têm acesso a uma parte dos benefícios que isso proporciona ao Estado".

Para o conseguir, "em vez de o Estado baixar impostos para atrair investimentos, o que o Estado faria era propor aos investidores que produzam resultados num tempo determinado e, em função desses resultados, podermos partilhá-los". Na prática, explica o economista, "o Governo não entrava numa armadilha de reduzir a receita na miragem de que isso viesse a produzir o que quer que seja", mas "aceitava discutir com as empresas" e dava a garantia de que o êxito que a empresa viesse a ter seria recompensado com a devolução de parte dos impostos que esse investimento proporcionasse.

O antigo ministro, lembra ainda que é necessário "atrair investimentos daqueles que mudam a face do país, a face das regiões". Para que tal aconteça, "o grande instrumento que temos era uma boa execução do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN) e sobretudo uma preparação muito cuidada" do próximo quadro comunitário de apoio "para que Portugal, a partir em 2014, estivesse primeiro que os outros no tiro de partida para executarmos muito no princípio e bem".

Outra das medidas defendidas por Augusto Mateus passa por criar um mercado de arrendamento, até porque já existe o consenso de que sem mercado de "arrendamento não há mobilidade" e sem "mobilidade, as nossas soluções para a crise de desemprego são muito mais limitadas". Mas para o economista não é possível acreditar num mercado de arrendamento se, em termos fiscais, as rendas "não forem tratadas da mesma maneira que um depósito a prazo". Atualmente os depósitos a prazo são tributados a uma taxa liberatória de 25% que passará para 26,5% ainda este ano, já as rendas são englobadas aos restantes rendimentos e como tal podem ser tributadas, no limite, no último escalão do IRS. "É negar com uma mão o que se deu com outra", lamenta o economista, lembrando que esta alteração fiscal beneficiaria principalmente "os portugueses de menores recursos" já que são eles que mais poderiam beneficiar do aumento da mobilidade.

Por último, Augusto Mateus defende a criação de um regime fiscal simplificado para as pequenas empresas. "As pequenas empresas deveriam ter um regime fiscal muitíssimo mais simples". Esta forma de tributação deveria aproximar-se "de um imposto sobre as vendas perfeitamente proporcionado e articulado com uma estimativa da atividade económica", deveria ser "suscetível de protesto e de correção" e deveria dar origem a "um pagamento trimestral a qualquer pequena empresa". Medidas que, segundo o economista, permitiriam combater a evasão fiscal e "dariam segurança aos contribuintes e às empresas" e como "a base tributável se alargava" permitiria ao Estado, "com taxas de imposto mais baixas" arrecadar "mais receita fiscal".

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