quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Redefinição do Papel do Estado (3): o Desenvolvimento Rural

Muito se tem falado de um regresso à terra por parte dos portugueses... num abandonar de uma política que beneficiava uma terciarização da nossa economia (Serviços), para voltar a apostar no setor agro-pecuário e industrial, os verdadeiros criadores de riqueza de um Estado e que nos permitem diminuir, de certa forma, a dependência de importações de produtos essenciais para a nossa subsistência como povo.
Figura 1- Bancada de legumes portugueses biológicos.
A Política Agrícola Comum (PAC) e a feroz concorrência internacional são factores que, de alguma forma, nos limitam na nossa ação como Estado, porém, é preciso saber contornar certas "amarras" e ser firme relativamente a certas disposições. Portugal tem de aproveitar a vontade que tem aparecido em muita da nossa juventude em "pegar na terra", mas com uma outra visão, pouco ligada a uma agricultura de subsistência, mas conectada à inovação e à perspetiva de encontrar nichos de mercado que possam ser bem aproveitados.

Temos de ter a consciência, todavia, que é-nos impossível concorrer com países como a China ou Índia, que em termos laborais existem poucos direitos e muitos deveres, permitindo inclusivamente o trabalho infantil, pois não é esse o modelo de desenvolvimento que deveríamos querer para a nossa sociedade, para além de nos ser impossível, por uma questão de dimensão territorial e de população, batermo-nos por uma produção agrícola massificada que disputa clientes pelo baixo preço. Também neste campo, países europeus como a Espanha e a França são de ultrapassagem dificílima em termos de competitividade de preço do produto, pelo que temos de olhar para a nossa produção agrícola e industrial por outro prisma, pelo prisma da qualidade, da inovação e da sua imagem.

Em termos de produção agro-pecuária creio que o país tem de garantir a sua auto-suficiência em produtos-chave, para não deixarmos o nosso povo à mercê das circunstâncias internacionais, tendo de haver uma clara definição e delimitação daquilo que pretendemos nesta questão. Porém, a internacionalização e exportação dos nossos produtos, tal como se fez para o calçado e os couros, tem de passar uma imagem de qualidade inquestionável, visível no seu preço, mas que terá acolhimento dentro das classes sociais mais altas dos diferentes países, apreciadoras de produtos de excelência e de características bem específicas. Do meu ponto de vista, o desenvolvimento rural do país tem de basear-se em 3 áreas decisivas:
  1. Desenvolvimento da produção agrícola e de produtos derivados;
  2. Fomento da exploração de Recursos Florestais;
  3. EcoTurismo e Turismo Rural.
1. Desenvolvimento da produção agrícola e de Produtos Derivados

Neste campo creio que temos toda a vantagem em tentar encontrar os nossos nichos de mercado, sabendo que o nosso país tem uma grande vantagem, as suas condições climatéricas, que se caracteriza por um clima ameno, com bons períodos solares e pluviosidade q.b.. Deste ponto de vista, para obter o sucesso, devemos ter em conta as seguintes proposições:
  • Marketing e certificação de origem do Produto;
  • Qualidade inegável do produto;
  • Originalidade e características singulares e diferenciadas do produto.
Portugal teria uma grande vantagem se apostasse na produção de bens para mercados alternativos, ou seja, não-mainstream, dos quais ponho no topo o apoio do Estado ao desenvolvimento da Agricultura Biológica. Este tipo de agricultura produz alimentos e outros produtos derivados sem utilizar, e mantendo-se longe, de produtos químicos sintéticos, como fertilizantes, pesticidas, e de produtos modificados geneticamente  É um mercado em crescimento contínuo nas classes altas e médias dos países, pois apesar do preço elevado dos produtos, têm o selo de uma vida saudável! Para além de ser um mercado com boas potencialidades de exploração, adere aos princípios de Sustentabilidade ambiental e agrícola, bom para as gerações atuais e fundamental para as gerações futuras de portugueses. Também se pode aplicar o mesmo conceito à Pecuária, assegurando uma alimentação e uma vida mais natural dos animais cujos produtos consumimos.

Os produtos agrícolas e seus derivados também podem ir mais longe nas suas características diferenciadas, procurando fornecer produtos que são geralmente procurados por um grupo específico de pessoas, como por exemplo, os restaurantes e estabelecimentos comerciais de luxo, os alimentos kosher, ou seja, que obedecem à lei judaica, o estilo de vida vegan ou macrobiótico, entre outros. Para além disso, poderá haver alguma originalidade e criação de um trademark, pelo desenvolvimento de novos produtos, que possam criar o seu mercado, ou seja, ao invés de explorar um nicho, cria-se o nicho, criando novos gostos e exigências e definindo Portugal ou a região x como a área de eleição para a sua produção (ex: chocolate com sabor a canela), mas também pode-se pegar num produto normal e tentar aperfeiçoa-lo, dando-lhe outra dimensão por uma qualidade indiscutível, para que se possa associar o tal produto com o país (ex: chocolate negro), sendo essencial, para além da qualidade, o marketing do produto.
Figura 2- Mercado de Agricultores em Toronto (Canadá).
Um nicho que acho também importante, e que também se irá relacionar com a área decisiva 3 (Ecoturismo), é a produção artesanal, ou seja, de acordo com os meios antigos de produção. Há uma procura crescente de produtos feitos "à moda antiga", com um invólucro vintage, tidos como mais saudáveis e com mais sabor, typical! Neste aspeto, Portugal é um país de enorme riqueza, pois está cheio de tradições de Norte a Sul, passando pelas ilhas, que é necessário proteger e perpetuar. Neste aspeto, será importante fixar pessoas e criar nas escolas públicas do interior (e não só) os cursos que mantenham a sua memória e tradições, sendo necessário um intercâmbio entre as gerações mais velhas e as gerações mais novas.
Figura 3- A agricultura artesanal/tradicional pode ser um nicho de mercado e um atractivo turístico. 
A par disto, tem de haver uma promoção interna e externa aos produtos típicos produzidos pelas várias regiões do país e que têm um Denominação de Origem Protegida, ou deveriam ter. Os mercados de agricultores (farmers market), que tanto sucesso têm na América do Norte deveriam ser fomentados em Portugal, fazendo os produtores vender diretamente os seus produtos aos consumidores de forma periódica na sua capital de distrito. Tentando dar alguns exemplos de produtos regionais, enuncio alguns que merecem publicitação feroz (excluo a doçaria, pois seria extenso):
  • Minho e Douro Litoral:
    • Vinho Verde;
    • Vinho Rosé;
    • Carne de vaca Barrosã;
    • Feijão tarrestre;
    • Broa de milho.
  • Trás-os-Montes:
    • Vinho do Porto;
    • Fumeiro transmontano (presunto, chouriços, alheira);
    • Carne de Vaca Mirandesa;
    • Amêndoa;
    • Queijo Terrincho;
    • Mel das Terras Quentes;
    • Azeite transmontano.
  • Beiras:
    • Vinho e Espumante da Bairrada;
    • Vinho do Dão;
    • Queijos da serra da Estrela e do Rabaçal;
    • Requeijão da Serra da Estrela
    • Maçã Bravo de Esmolfe;
    • Cerejas da Cova da Beira.
  • Lisboa e Vale do Tejo:
    • Vinhos de Carcavelos, Bucelas, Colares e Palmela;
    • Vinho da Lezíria Ribatejana;
    • Azeite ribatejano;
    • Pão de Mafra;
    • Ginjinha de Óbidos;
    • Queijo de Azeitão;
    • Pêra-rocha do Oeste.
  • Alentejo:
    • Vinho alentejano;
    • Pão alentejano;
    • Fumeiro alentejano (presunto e chouriços);
    • Queijos de Nisa, Serpa;
    • Ameixa de Elvas;
    • Castanha de Marvão;
    • Azeite alentejano;
    • Carne de Porco alentejano.
  • Algarve:
    • Laranja algarvia;
    • Batata-Doce de Aljezur;
    • Amêndoa algarvia;
    • Mel da Serra de Monchique;
    • Flor de sal.
  • Açores:
    • Vinho do Pico;
    • Ananás e Maracujá de S. Miguel;
    • Queijos da ilha de S. Jorge e da ilha do Pico;
    • Mel dos Açores;
    • Lacticínios açorianos.
  • Madeira:
    • Vinho da Madeira;
    • Banana madeirense;
    • Anona da Madeira;
    • Mel da Madeira.
Figura 4- Vaca barrosã na serra da Peneda.
A auto-subsistência do Portugal em termos de produtos agrícolas chave não se faz somente pela proteção e incentivo à sua produção. Faz-se também pelo incentivo a uma agricultura de subsistência de cariz familiar, paralela à Agricultura de inovação que acabei de falar. Desse ponto de vista, as políticas seguidas pelas Câmara Municipais de Lisboa e Oeiras de desenvolvimento de Hortas Urbanas são bastante interessantes e devem ser emuladas por outros municípios. No fundo, trata-se de permitir uma produção para consumo próprio, evitando a compra de produtos importados, e fomentando a troca de bens nas cidades, à semelhança do que acontece em zonas rurais. Deste modo criam-se atividades saudáveis em termos físicos e em termos sociais, ajudando economicamente as pessoas e o país, ao mesmo tempo que se aproveita melhor as potencialidades que o território tem para nos dar (é preciso não esquecer que as terras do Manto Basáltico de Lisboa são das mais férteis do país).
Figura 5- Talhões da Horta Urbana da Quinta da Granja, Lisboa.
Outra perspetiva, mais polémica, trata-se da liberalização do consumo e de produção de plantas cannabináceas. São plantas que dão origem a muitos produtos, não somente aqueles referentes à inalação de fumos, mas produtos relacionados com a tecelagem, farmacêutica, alimentares, entre outros, e como a sua ilegalidade é comum a vários países, Portugal disporia de vantagem estratégica para a sua transformação e exportação para países como a Holanda, China (comem-se sementes de cannabis tostadas como se fossem amendoins) e EUA (este último para fins medicinais). A consumo destas substâncias sempre existiu, desde tempos pré-históricos, e sempre existirá, e a sua proibição só faz aumentar ou fortalecer a criminalidade a si associada, e apesar de ter efeitos nocivos ao nível do sistema nervoso central, é preciso notar que existem outros produtos que têm efeitos iguais ou piores na nossa saúde, mas que são perfeitamente legais (ex: Álcool  tabaco, café...). O mito que as drogas leves levam ao consumo das drogas pesadas não passa disso mesmo, um mito, não havendo qualquer correlação sobre esse efeito verificado na Holanda, mas claro que o seu consumo só se deferia efetuar em casa ou em locais propriamente licenciados para o efeito.

Para além do mais, poderiam ser verificados 2 efeitos positivos na nossa economia: (1) seria uma atividade altamente lucrativa que passaria a estar sobre o radar do fisco em Portugal, contribuindo para o erário público; (2) o turismo relacionado com o consumo de drogas leves em coffee shops seria um novo nicho na atividade turísticas nacional, como foi Amesterdão nas últimas décadas para a população jovem europeia, com a vantagem do nosso clima ser bem melhor.

2. Fomento da exploração de Recursos Florestais

Os nossos recursos florestais, de tipologia mediterrânica, têm sido muito importantes para a nossa economia, desde a industria da celulose, à industria corticeira e não esquecendo a produção de azeite e azeitona. O grande problema é que todos os Verões o nosso património florestal destruído pelos incêndios, quer sejam de origem criminosa ou não, e isto tem de ser travado por uma política mais efetiva de proteção e vigilância das nossas florestas.

Claro que não podemos cair no erro de tornar a nossa floresta numa monocultura do eucalipto, como se fez no passado, pois isso é perigoso para a sustentabilidade das nossas florestas e para o potencial de perigo que os incêndios trazem para essas culturas. As áreas têm de ser bem delimitadas e os riscos devem ser acautelados pela imposição de certas regras base. Os produtos florestais dão muito mais do que papel ou cortiça, existindo uma miríade de outros produtos que podem ser aproveitados e explorados em plena coexistência com a noção de proteção ambiental, muito necessária para a sustentabilidade destas atividades. Nos últimos anos tem-se intensificado a produção de mirtilos, uma baga silvestre que se vende bem nos mercados externos, tal como outros frutos silvestres (amoras, framboesas...), cogumelos, míscaros, frutos secos (amêndoas, castanhas, avelãs, pinhões, bolota...), e não nos podemos esquecer dos produtos cinegéticos, que têm de ser mais diversificados, aliando-se também ao ponto 3 das áreas essenciais que formulei, o ecoturismo.

Tudo isto tudo tem de estar em sintonia com a proteção ambiental do nosso montado de clima mediterrânico e com a nossa biodiversidade, de modo a que esta política seja sustentável no presente e no futuro, e que possa contribuir com os nossos compromissos em termos do Protocolo de Quioto e da União Europeia relativamente ao dióxido de carbono emitido para a atmosfera, pois sabe-se que as florestas absorvem essas emissões de gases.

3. Ecoturismo e Turismo Rural

O nosso país não pode apostar "todas as fichas" num turismo de praia e de golfe, até porque temos muito mais para oferecer, através do nosso Património, Cultura, Gastronomia e os nossos Parques Naturais de traça mediterrânica e Atlântica, o que no conjunto pode fazer de Portugal um país muito aprazível para visitar ou para passar os últimos anos de vida (caso dos reformados).

Relativamente aos Parques Naturais, penso que podemos fazer mais e melhor do que temos feito, não só relativamente à sua proteção e aumento do seu espaço, respeitando e incrementando a fauna e flora local, mas dando-lhes condições de subsistência e expansão, aproximando as pessoas desses espaços, com as devidas cautelas, e criando uma maior ligação e consciencialização da necessidade de os proteger.

Deste ponto de vista, podemos ver a "desertificação" populacional do interior como uma ameaça ou como uma oportunidade. A ameaça advém principalmente da perda de alguma identidade do país e da região, tanto pelo abandono de certos locais históricos e típicos, como pelo desaparecimento de algumas tradições e costumes. Em certa medida, e a curto e médio prazo, creio que é uma batalha perdida... as pessoas continuarão a deslocar-se para o litoral em busca de oportunidades de trabalho, e essa inversão demorará algum tempo até fazer efeito. O ideal será agregar em algumas localidades a população do interior, mediante critérios de maior densidade populacional e maior património histórico e cultural, tornando-se esses focos no epicentro do desenvolvimento rural que se pretende nestas 3 áreas decisivas que venho mencionando. Com isto, diminui-se a despesa com serviços públicos deslocalizados, e aumenta-se a área agrícola, florestal e natural do país.
Figura 6 - Piodão, aldeia de xisto do concelho de Arganil.
A recuperação de aldeias históricas e de belas aldeias típicas em pedra (xisto, granito...) ou de argamassa caiada, repopulando-as com pessoas de outras aldeias ou transformando-as em autênticos centros de turismo rural, que permitam aos turistas passarem umas férias sossegadas, ou praticar desportos radicais, a caça, a observação e participação de práticas rurais ancestrais do nosso país (ex: época da víndima; moagem de cereais em moínhos) e viver em comunhão com a Natureza, tanto pela observação de animais (ex: Bird watching), como pelas caminhadas pedestres pela natureza - o Ecoturismo e o Turismo Rural. A noção de ecoaldeias é também um projetoo a desenvolver, no sentido de criarmos comunidades autosustentáveis e independentes em termos energéticos.
Figura 7- Cascata da Cabreia (Sever do Vouga).
Para isto é preciso ter a noção que temos de defender o nosso património natural, não só em termos de fauna e flora, mas em termos paisagísticos, retirando elementos antrópicos "berrantes" das nossas serras e florestas. Os Guardas Florestais têm de reaparecer, os acessos rodoviários comuns (em alcatrão e sem barreiras) devem ser diminuidos, mas, em contraponto, devem aumentar os acessos pedestres, cicloviários  e rodoviários específicos (com barreiras de acesso e em terra batida ou pedra) para as atividades que se querem desenvolver, seja de lazer, seja de proteção.

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