sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Reminiscências do Passado (4): Hospital Real de Todos-os-Santos

A 13 de Agosto de 1479, o ainda príncipe D. João II obteve a autorização do papa Sisto V para fundar um hospital central em Lisboa destinado à assistência dos pobres e doentes, o Hospital Omnium Sanctorum, ou seja, o Hospital Real de Todos os Santos. A estratégia passava pela centralização de serviços médicos e de assistência na zona do Rossio, sendo que a sua construção iniciou-se na manhã de 15 de Maio de 1492, nos terrenos da cerca do convento de São Domingos. Porém, o edifício só foi concluído 9 anos depois (1501), durante o reinado de D. Manuel I, apesar de ter começado a funcionar antes da sua conclusão, comprovado pela documentação da época, que data de 1502 os primeiros internamentos, sendo que em 1504 estavam já em funcionamento as enfermarias.
Figura 1- Painel de Azulejos do século XVIII que mostra a fachada do Hospital Real de Todos-os-Santos. 
O edifício, na vanguarda do seu tempo, foi colocado ao cuidado do arquiteto Diogo Boitaca, diretor da obra, que seguiu os padrões manuelinos comuns da época. A traça original do Hospital era em cruz grega, ficando a fachada principal voltada para o Rossio, com o seu pórtico de 100m de altura voltado para o Rossio, profusamente decorado ao estilo manuelino, com motivos vegetalistas, náuticos e religiosos, de onde se destacam os motivos cordoados e as cruzes da Ordem de Cristo, não esquecendo os símbolos reais, o pelicano, símbolo de D. João II, e a esfera armilar, símbolo de D. Manuel I. A partir desse pórtico, que dava entrada para a igreja, lançava-se uma enorme escadaria. A igreja ficava no centro do conjunto arquitetónico, contudo o corpo do edifício desenvolveu-se para norte, com uma arcaria contrafortada, encostando ao Convento de S. Domingos. O Hospital dispunha de 3 pisos:

  • Piso Superior - aqui se situavam 3 enfermarias iniciais (S. Vicente, a de Santa Clara e a de S. Cosme) que constituíam os braços da cruz, ao redor do altar-mor. De referir que há a menção de no século XVIII existirem 12 enfermarias;
  • Piso Intermédio - aqui se situavam os  alojamentos dos funcionários residentes, incluindo o provedor;
  • Piso Inferior - tinha umas arcadas que só eram interrompidas pela escadaria da igreja, sendo aqui que se situaria a albergaria, local de acolhimento de pedintes e viajantes pobres (cerca de 40 camas), a casa dos expostos, o refeitório, a cozinha, o forno, a farmácia e a casa da fazenda. 
Figura 2- Vista de topo de uma representação do Hospital Real de Todos-os-Santos.

No seu logradouro encontravam-se outras instalações, com equipamento essenciais ao funcionamento do Hospital, como os lavadouros, as atafonas, a arrecadação, as latrinas, a horta, o pombal e a capoeira. Para além do mais o Hospital Real continha poços de água potável e um cemitério. O hospital, até 1530, era gerido por um provedor da confiança do Rei (o 1º foi o cónego Estêvão Martins, mestre escola da Sé de Lisboa), tendo posteriormente passado a gestão para os padres da Congregação de S. João Evangelista. Só a partir de 1564 é que o estabelecimento passou para a responsabilidade da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. O regimento do hospital (datado de 1504),  oi elaborado por Estêvão Martins e outorgado por D. Manuel I, tendo sido influenciado pelos estatutos dos hospitais de Santa Maria de Siena e Santa Maria Nova de Florença.

Os doentes eram separados em função do sexo e da patologia. Havia um serviço de urgência e uma secção privada para os doentes nobres. Para além das enfermarias, existiam também a "casa das boubas", uma divisão isolada para os doentes com sífilis, e a "casa dos doidos"", onde eram tratadas as pessoas com problemas mentais. Havia também um banco de urgência, destinado a todos os doentes que chegassem de emergência ao hospital, sendo observados pela ordem de chegada. O hospital recebia todas as crianças abandonadas de Lisboa na casa dos expostos, que depois eram entregues ao cuidado de amas externas. Compunha o quadro de pessoal do Hospital Real de Todos-os-Santos, os seguintes funcionários de saúde: 1 provedor (director), 1 físico (médico), 2 cirurgiões, 2 ajudantes de cirurgião, 1 boticário (farmacêutico), 3 ajudantes de boticário, 12 enfermeiros, 1 barbeiro-sangrador e 1 cristaleira (mulher que ministrava o clister). Relativamente a outros funcionários, havia: 1 almoxarife (contabilidade, tesouraria e aprovisionamento), 1 escrivão (contabilista), 1 hospitaleiro, 1 vedor, 1 despenseiro, 1 costureira, 1 lavadeira, etc.. Estes funcionários residiam, na sua grande maioria, no interior do Hospital.
Figura 3- Vista lateral de uma representação do Hospital Real de Todos-os-Santos.
O Hospital era conhecido como o "Hospital dos Pobres", pois foi erigido para servir a população geral, que era pobre na sua maioria. Concebido para albergar 250 doentes, sabe-se que durante o século XVI chegou a tratar 3.000 doentes por ano. O edifício foi sendo remodelado ao longo dos anos, muito devido aos incêndios que teve durante a sua existência, especialmente os de 1601 e de 1750, que destruíram os quadros dos reis de Portugal que existiam na igreja, assim como os tectos maneiristas pintados por Fernão Gomes em dourado. Porém, foi o terramoto de 1 de Novembro de 1755, ironicamente no dia de todos-os-santos, que acabou por destruir completamente o Hospital, tendo-se erguido posteriormente no seu lugar a atual Praça da Figueira.

Após o sismo foram erguidos hospitais provisórios em vários locais de Lisboa para acolher os feridos e doentes, alguns deles em tendas no Rossio, ou em palácios (como o Palácio dos Almadas) e conventos não afetados pela tragédia. O Colégio de Santo Antão, confiscado aos jesuítas, receberia o Hospital central depois dos devidos arranjos, algo que veio a acontecer em cerca de 1770. O novo hospital passou a denominar-se de Hospital Real de São José, em homenagem ao monarca, mantendo-se a estrutura orgânica e funcional que possuía antes do terramoto. No século XIX, as necessidades de expansão do hospital levou à anexação de vários edifícios e à remodelação das estruturas existentes de modo a melhorar os serviços, passando a instituição a chamar-se Hospital Real de São José e Anexos. 

Figura 4- Entrada do Hospital de S. José.
Em 1901 o funcionamento da instituição foi completamente remodelado pelo enfermeiro-mor Curry Cabral, que se manteve com a implantação da República, mas em 1913, a designação passou a ser a de Hospitais Civis de Lisboa, designação que se manteve até 1958, aquando da criação da Direcção-Geral da Saúde, ficando os hospitais, individualmente, dependentes dessa Direcção, voltando a nomenclatura de Hospital de São José.


Bibliografia


COELHO, Maria de Fátima – Hospitais. Dicionário Enciclopédico da História de Portugal. Vol. II. Lisboa: Publicações Alfa, 1990, pp. 316-317.

DGARQ /Torre do Tombo

GRAÇA, Luís - O Hospital Real de Todos os Santos. Textos sobre saúde e trabalho. Lisboa: s/e, 2000.

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