O Terramoto de 1755 modificou completamente a cidade de Lisboa. A destruição que provocou fez com que a cidade tivesse de ser reconstruída e, a partir de um emaranhado de ruas estreitas e sinuosas, sem qualquer planeamento urbanístico, surge uma cidade planeada, com ruas largas e direitas, inspirando-se nos modelos que surgem do Iluminismo.
Um dos pontos do Plano Pombalino passou pela criação do “Passeio Público”, um longo recinto ajardinado numa zona de terras húmidas e alagadiças, que foram elevadas pelos entulhos do Terramoto. Esses terrenos era onde se situavam as Hortas da Mancebia e da Cera e os terrenos pertencentes ao conde de Castelo Melhor (expropriados), ocupando a área limitada a norte pela linha Alegria – Rua das Pretas, e a Sul por onde é hoje a Praça dos Restauradores. Pela sua extremidade setentrional passava a Rua do Salitre, que ia até à Rua das Pretas, sendo que para norte, ainda se sucediam as hortas até ao Vale do Pereiro. Assim, o Passeio Publico, nas confrontações de hoje principiava junto ao primeiro portão do Palácio Foz e acabava no quarteirão da Avenida que é limitado pela Rua da Alegria à esquerda, e das Pretas à direita.
|
Figura 1- Litografia de 1850 da entrada do Passeio Público, iconografia da obra "Primo Basílio". |
O espaço foi concebido para ser usufruído pela população de Lisboa, tendo como influência espaços semelhantes que haviam sido construídos em grandes cidades europeias, um sítio onde pudesse haver um contacto com a natureza, mas que resolvesse alguns problemas de insalubridade da cidade. A formação do Passeio Público dá-se entre 1764 e 1771, um espaço que permitiria o recreio e encontro de pessoas, mas também para o ordenamento, embelezamento e o saneamento do espaço público, no qual a plantação de árvores teve papel importante (os primeiros freixos foram oferta de Jacomo Ratton, que os mandou vir da sua quinta de Barroca d’Alva), havendo também um aproveitamento dos riachos que por ali passavam.
O projeto foi elaborado por Reinaldo dos Santos, traçando num esquema bastante simples, com uma alameda de 300 por 90 metros, constituída por uma rua central na qual foram plantadas, em ambas as faixas laterais, cinco filas de árvores dispostas simetricamente e de forma regular, acabando por formar ruas secundárias. Embora denominado de "Público", o Passeio estava rodeado por muros e a entrada era feita através de uma porta de madeira, posteriormente substituídos por um gradeamento, podendo ser frequentado por todos os membros da sociedade.
|
Figura 2- Litografia (A. Castro) de 1851 do interior do Passeio Público, iconografia da obra "Primo Basílio". |
O Passeio Público tinha alguns aspetos dos jardins franceses da época (os mails e cours), mas mantém traços dos jardins portugueses de influência árabe. Porém, de acordo com várias fontes da época, o Passeio Público, nas primeiras décadas, não se impôs com um espaço de socialização dos lisboetas, talvez devido à falta de vontade de interação entre classes, pela falta de hábitos de lazer deste género entre as classes mais desfavorecidas e há quem afirme que se deve também à fraca qualidade estética e à falta de integração paisagística do mesmo. Júlio de Castilho decrevia-o como "(...) ruas muito sombrias, banquetas de buxo simetricamente dispostas, pedestais com vasos e estátuas, em suma, um ar de quinta nobre que era uma delícia”. O periódico "Toucador" de 1822 refere que "(...) se quisermos falar verdade e ser sinceros diremos: que há em Lisboa umas poucas de arvores plantadas à linha, que a isto se chama o Passeio Público, onde não vai ninguém; e que a este se reduzem todos os lugares de passeio de Portugal, Brasil e Algarves.”.
Porém, a partir das décadas de 20 e 30 do século XIX, dão-se várias alterações do espaço, tanto por iniciativa régia, como por iniciativa camarária. A grande renovação esteve a cabo de Malaquias Ferreira Leal entre 1834 e 1838, que introduziu um novo arranjo de jardins e fontes, com um grande lago, quedas de água e estátuas alegóricas (geralmente do canteiro Alexandre Gomes), duas delas, em particular, representam o rio Tejo e o rio Douro (ainda hoje presentes na Avenida da Liberdade). Os melhoramentos traduziram-se também num aumento do Passeio em 30 metros no comprimento e 20 de largura, bem como o derrube de algumas árvores copadas, que deram lugar a outras de menor porte e a arbustos, trazendo uma manifesta redução do número de área de sombras.
|
Figura 3- Fotografia da entrada do Passeio Público (c. 1900). |
Os altos muros pombalinos foram substituídos por muros baixos, encimados por gradeamentos em toda a volta, completado por portões de ferro forjado com guarnecimentos de bronze, foram derrubadas as barracas existentes nas imediações e foi construída a entrada do lado Sul. Essa entrada, ladeada pela casa do guarda e pela casa do porteiro, era constituída por 3 portas de ferro, sendo a do centro mais larga, sendo que entre elas viam-se duas coroas de louro douradas com o dístico “4 de Abril de 1838”, data em qye foram inauguradas para coincidir com o aniversário de Rainha D. Maria II, que 2 anos antes havia confiado ao Município de Lisboa a administração do espaço. As grades, tal como as das portas, tinham feitio de lanças, divididas de espaço, por pilaretes de cantaria quadrangulares e coroadas de capitéis. Este gradeamento assentava sobre uma cortina de cantaria com três pés de altura, para o lado de dentro, variando para o lado das ruas consoante o declive do terreno.
O Passeio Público ficou dividido em 4 quadras, tendo o lago ao centro, com alto pedestal ostentando uma bacia de pedra inteiriça, no meio da qual se erigia uma pinha de onde provinha um repuxo. Às faces do pedestal, acostavam-se as estátuas de tritões e sereias(hoje no pátio do Palácio Pimenta - Museu da Cidade). Entrava-se depois no bosque, onde à entrada estavam as estátuas alegóricas aos rios Tejo e Douro, sendo dividido em 13 longitudinais e 32 transversais, sendo o intervalo de “árvore para árvore ocupado com bancadas de buxo e louro”. Neste percurso havia ainda mais "4 pequenos lagos circulares, dois à entrada e dois à saída, guarnecidos de pirâmide e paredes de buxo”.
|
Figura 4- Fotografia do terraço da Cascata do Passeio Público (1898). |
|
Figura 5- Litografia do terraço da Cascata do Passeio Público |
O topo Norte do Passeio, ao cimo da rua central, era rematado por uma magnífica cascata, ali colocada pelo plano de melhoramentos de Malaquias Leal em 1840. Era um pavilhão de pedra ladeado por duas escadarias que conduziam ao terraço, que servia de miradouro sobre a baixa e o Tejo. Na sua fachada interior abriam-se 3 arcos cobertos de folhagem e plantas aquáticas, enfeitadas com seixos e conchas, formando desenhos, sendo que na central estaria uma estátua da deusa Anfitrite (obra do escultor Francisco Assis Rodrigues). Em frente aos arcos havia um lago circular com dois cisnes de pedra que pareciam nadar. Refira-se uma descrição no livro “Memórias da Marquesa de Rio Maior, de Branca de Conta Colasso" (1930): "Um belo dia (…) encontrei o Passeio transformado (…) um elegante gradeamento substituía o muro de pedra; entrava-se por um portão também de ferro (…) havia esplêndidas acácias logo à entrada. E um grande lago com repuxo (…) depois, ao centro, outros lagos com o Tejo e o Douro (…) e chorões. Um coreto magnifico para música. Muitas árvores raras (…) e ao fundo, pela altura da Rua das Pretas, uma linda cascata com avencas.".
As várias obras que foram feitas surtiram efeito no público na 2ª metade do século XIX, tornando-se num local de afluência em massa da sociedade lisboeta, tanto era assim que os lisboetas da altura cantavam: “Fui ao Passeio ver o repuxo; Fiquei admirado de ver tanto luxo.”. Eça de Queirós chegou mesmo a retratar o jardim em "O Primo Basílio". Era um vasto salão ao ar-livre, onde as pessoas iam para ver e para serem vistas, sendo mesmo frequentado nas noites de Verão, sendo que em agosto de 1851 ali se realizaram as primeiras iluminações a gás, tendo-se registado a visita de 15.612 pessoas em 3 noites, fazendo-se pagar a entrada para assistir ao espetáculo. Oferecia-se uma ampla variedade de divertimentos, ouvia-se música e realizavam-se festas que ficaram memoráveis, os bailes infantis organizados pelo professor de dança Justino Soares, os fogos de artifício do habilidoso pirotécnico José Rodrigues, e as inúmeras festas de caridade. A zona do coreto (situado desde 1932 no jardim da Estrela) enchia-se no Domingo quando tocava a famosa banda dos marinheiros, dirigida por Reinhard. Os concertos noturnos do Cardim eram também bastante frequentados, e em 1879, ficaram célebres os concertos sinfónicos regidos por Madame Josephine Amann. Na zona mais a Norte ficava o Circo Price, o barracão de Thomas Price inaugurado em 1860.
|
Figura 6- Litografia colorida do Passeio Público Litografia Colorida (George Vivian). |
Em 28 de Novembro de 1877 foi calculado por Ressano Garcia em 84 contos de reis o orçamento total para a demolição das portas e do gradeamento do Passeio Público, tendo-se tomado a decisão de demolir as grades do passeio. Nos finais do século XIX a sua popularidade decaí muito, não satisfazendo os lisboetas que estavam fartos daquela rotina de divertimentos repetitivos, tornando-se numa espécie de ponto abrigado e refúgio amoroso aos soldados e às amas de leite, que eram, por 1882, as mais assíduas frequentadoras do Passeio Publico.
José Rosa Araújo, presidente da Câmara de Lisboa, decide então demolir o Passeio Público, um símbolo da Lisboa romântica, para dar lugar à Avenida da Liberdade, símbolo de uma Lisboa progressista, permitindo o desenvolvimento e a expansão da cidade para Norte, o que provocou grande celeuma entre a população. A 24 de agosto de 1879 tiveram início as demolições, tendo em vista um plano traçado por Ressano Garcia, sendo que o primeiro troço é inaugurado a 28 de Abril de 1886. Na avenida foram abertas uma rua central e duas laterais, separadas por placas arborizadas. Eram sobretudo notáveis pela rica pompa de vegetação e emaranhado do arvoredo os talhões que mediavam entre a Rua das Pretas e o Largo da Anunciada, do lado este, e a Calçada da Glória e a Praça da Alegria, do lado Oeste.
A avenida foi construída à imagem dos boulevards de Paris, tornando-se nos Campos Elísios de Lisboa e auma referência para a localização de residências para as classes mais abastadas. Entretanto, o município procurou substituir o Passeio Público por outro parque público. Em 1887 foi organizado um concurso internacional destinado a selecionar um projecto de parque paisagista a construir no terrenos do casal do Monte Almeida, a Norte da Avenida da Liberdade, tendo como modelo o estilo paisagista parisiense, considerado, então, como o paradigma da modernidade na arte dos jardins urbanos. O estudo viria a dar no Parque da Liberdade, como se chamou inicialmente o Parque Eduardo VII.
Bibliografia
CUNFF, Françoise le - Do Passeio Público ao Parque da Liberdade. Camões. N.º 15-16. Lisboa: Instituto Camões, 2003.
FREIRE, João Paulo - Lisboa do meu tempo e do meu passado: do Rocio à Rotunda. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1932.
Sítios web
Biblioteca Nacional (PURL)
Câmara Municipal de Lisboa
Junta de Freguesia de S. José
Wikipédia