domingo, 7 de outubro de 2012

Visca Catalunya?!

"Estamos no ano 2012 depois de Cristo. Toda a Hispânia foi ocupada pelos castelhanos... Toda? Não! Uma aldeia povoada por irredutíveis portugueses ainda resiste ao invasor". Desde o século XV até aos dias de hoje esta realidade foi, de certa forma, verdadeira, porém outra aldeia, habitada por irredutíveis catalães pode juntar-se a Portugal na "revolta" contra o domínio castelhano da península. Vivem-se momentos decisivos em Espanha, tanto em termos económicos, como sociais e políticos.

No passado mês de Setembro realizou-se em Barcelona uma marcha independentista que juntou mais de 1.5 milhões de pessoas, sob o lema: "Catalunha, novo Estado da Europa". É um fenómeno deveras poderoso e sem precedentes, especialmente quando percebemos que a região tem cerca de 7 milhões de habitantes. Artur Mas, presidente do Governo regional catalão, chegou mesmo a afirmar que "(...) chegou a hora de a Catalunha exercer o direito à autodeterminação, processo que requer "sentido de Estado". O presidente anunciou eleições antecipadas na região para dia 25 de novembro, garantindo que após as mesmas e em caso de vitória, convocará um referendo sobre a independência da Catalunha, mesmo sem autorização do Estado espanhol.
Figura 1- Manifestação em Barcelona pela autodeterminação da Catalunha.
A Península Ibérica sempre foi um espaço invadido e habitado por diferentes povos provenientes do Norte da Europa, do Próximo Oriente e Norte de África. Antes do período clássico, povos de origem celta juntaram-se na península aos povos nativos ibéricos, criando uma série de tribos celtibéricas, uma fusão entre culturas que foi mais forte em certas regiões do que em outras, especialmente a Norte. As regiões mais a Sul sofreram influências de povos provenientes do mediterrâneo, que juntaram-se a populações já existentes, comerciando e coabitanto com elas.

A influência dos povos que chegaram pelo Mediterrâneo à Península Ibérica tiveram certamente um papel importante no aparecimento de uma civilização, quase mitológica, no Sul do território, à qual os gregos clássicos, que tal como os fenícios ali criaram colónias e feitorias, denominaram de Tartessos, com uma cultura distinta das tribos celtiberas. De acordo com Heródoto, Tartessos era um reino que possuía uma escrita e um corpo legislativo, dedicando-se sobretudo ao comercio, metalurgia e pesca. As evidências arqueológicas de Tartessos não são suficientes para comprovar a  existência de uma civilização no Sul da Península Ibérica, apesar das referências escritas de historiadores gregos, que mencionam inclusivamente o nome de vários líderes de Tartessos: Gerião, Norax, Gárgoris, Habidis e Argantónio. No século VI a.C. teria-se dado a conquista do Reino ibérico pelos cartagineses, na batalha de Alalia, criando ali as suas colónias e pontos de comércio com os índigenas.
Figura 2- Reino de Tartessos e sua zona de influência.
A primeira unificação política da Península Ibérica dá-se através da invasão romana do território, no contexto da 2ª Guerra Púnica (218 a 201 a.C.), sob o comando do consul Cneu Cornélio Cipião. Os confrontos dos romanos na denominada "Hispania" (etimologicamente há uma teoria que refere que este nome latino provém de vocábulos fenícios que significaria "ilha de coelhos") deram-se contra os cartagineses e seus aliados nativos, porém, a sua derrota não significou o fim da resistência à romanização, havendo registos de época que mencionam conflitos com uma tribo indigena durante o século II a.C., os Lusitanos, na zona da atual Andaluzia e Alentejo, a que alguns autores referiam como "Guerra Lusitana", mas também com povos a Norte da península, na zona das Astúrias e Cantábria, até 1 a.C.
Figura 3- Divisão administrativa de Hispânia.
A união da Península Ibérica sob o seu jugo duraria até desmantelamento do império romano do Ocidente, traduzido pelas invasões bárbaras a partir de Oriente. No século V a Hispânia foi invadida por povos como os Alanos (provenientes do Cáucaso), Vândalos (provenientes da Escandinávia) e Suevos (provenientes da Germânia), expulsos das suas terras pelos Hunos. Os Alanos fixaram-se na zona da Lusitânia, com centro em Pax Iulia (Beja), os Suevos na Galécia, com centro em Bracara Augusta (Braga), já os Vândalos situaram-se na zona da Bética. Entretanto, ainda no século V, os Visigodos, um ramo da tribo dos Godos originária da zona da Escandinávia, invadem a Península Ibérica e expulsam Alanos e Vândalos para o Norte de África, que unem os seus reinos e chegam a deter as ilhas Baleares até à conquista bizantina, e, ao serem repelidos pelos Francos em 507 (Reino de Toulouse), anexam definitivamente o reino Suevo em 585, unificando e quedando-se definitivamente na Península Ibérica (Reino de Toledo).
Figura 4- Invasões Bárbaras do império romanos no século V.
A unidade do território foi conseguida durante o reinado de Leovigildo, que se manteve até ao século VIII. A morte do rei Vitiza em 710 cria um problema sucessório no reino visigodo, formando-se 2 fações, a de Ágila II (a Este da Península Ibérica) e a de Rodrigo (a Oeste da Península Ibérica). Entretanto, no Norte de África afirmava-se um importante poder político muçulmano a partir do Califado de Damasco (Omíadas), que cercava a região de Gomeres (Ceuta), dominada pelos visigodos de Ágila. A fação de Ágila decide pedir a intervenção militar do governador muçulmano do Norte de África, Tarique, para derrotar os partidários de Rodrigo.

A Península Ibérica é invadida em 711 pelos muçulmanos, galgando facilmente o território para os Omíadas, que o denominavam de al-Andalus (significado será "terra dos vândalos"?) com excepção da zona setentrional, dominada por cristãos liderados por Pelágio, que a partir da batalha de Covadonga (722) estancaram o avanço muçulmano e estabeleceram o Reino das Astúrias.

Durante o período do al-Andalus e da Reconquista Cristã, o mapa político da Península Ibérica sofreu inúmeras alterações, tanto do lado muçulmano como do lado cristão, que influenciam o avanço e recuo da linha de fronteira. O al-Andalus de 711 a 756 é apenas um emirado dependente do Califado de Damasco, porém, a partir de 756 o emirado torna-se independente sob a liderança de Abderraman I, com capital em Córdova, tomando o título de califado apenas em 929, por Aderraman III. Em 1031 dá-se um período de convulsão política, fitna al-Andalus, formando-se vários estados independentes com a fragmentação do Califado de Córdova, o 1º período das taifas, que dura até 1085, altura em que os reino taifa de Sevilha pede ajuda aos Almorávidas relativamente ao avanço Cristão. Os almorávidas, berbéres do Norte de África, haviam formado um império com base nos seus monges-soldados que viviam em ribats (fortalezas religiosas), com uma interpretação rigorista do Islão. Porém, a desunião do al-Andalus volta a dividir a região, havendo um 2º período das taifas a partir de 1144, que volta a ser debelado por outro poder emergente do Magrebe, os Almoadas, que rapidamente unificam as taifas e conquistam boa parte do Norte de África, estabelecendo a capital em Sevilha, atingindo o seu auge sob liderança de al-Mansor. O ano de 1212 marca o início da decadência do Almoadas, após derrota na batalha de Navas de Tolosa contra tropas cristãs aliadas, fragmentando o seu império, um período conhecido pelas 3ªs taifas. A partir de 1238, a presença muçulmana na Península Ibérica reduz-se ao reino nazarí de Granada, que viria a ser conquistado em 1492 pelos reis católicos, pondo fim à reconquista cristã da Península Ibérica.
Figura 5- Fases da Reconquista Cristã da Península Ibérica.
Do lado cristão foram-se formando novos reinos à medida que a Reconquista avançava, unindo-se e desunindo-se conforme a conveniência política. O reino das Astúrias é dividido em 910 pelos filhos de Afonso III, surgindo então o reino de Leão. Entretando, dentro de Leão, o condado deCastela torna-se independente em 931, através do conde Fernan Gonzalez. Navarra, inicialmente reino de Pamplona, era uma região algo tumultuosa, "ventre" do País Basco, que consegue a sua independência em 824 por intermédio de uma aliança entre muçulmanos e cristãos contra os francos, liderada por Íñigo Arista. O reino de Aragão surge como condado franco que foi anexado por Pamplona em 925, tendo sido herdado por Ramiro Sanchez aquando da divisão do reino de Navarra pelos filhos de Sancho III em 1035. O condado de Barcelona é uma consequência da "Marca Hispânica", criada pelos francos carolíngios para evitar a invasão do território gaulês pelos muçulmanos, estabelecendo vários condados com líderes visigodos, que se foram unificando e libertando-se da influência franca, aproximando-se de aragão através de matrimónios, especialmente o de Ramon Berenguer IV de Barcelona e Petronila de Aragão, herdeira do trono. Da Marca Hispânica ainda fazia parte o território de Andorra, que em 1278 deixou de ser um condado para se tornar num principado liderado pelo bispo de Urgel e pelo Conde de Foix.

O reino de Portugal surge quando o rei de Leão, Afonso VI, atribui o antigo território da Suévia como dote de casamento a dois primos de Borgonha que o vieram ajudar na guerra da Reconquista... o condado Portucalense a D. Henrique, por casar com a sua filha Teresa, e o condado da Galiza a D. Raimundo, por casar com Urraca, duas zonas cujos nobres tinham um forte ensejo pela autodeterminação. Com a morte de D. Henrique e com o atingir da maioridade do seu filho varão, D. Afonso Henriques, dá-se um confronto entre fações pelo domínio do condado, uma liderada por D. Teresa e Fernão Peres Trava, que pretendiam uma união mais forte com a Galiza, e outra liderada pelo seu filho, que influenciado por nobres que pretendiam separar-se da Galiza após lhe terem sido retirados os seus poderes na região em detrimento de nobres galegos. Esta última fação acabou por prevalecer com a vitória na batalha de S. Mamede em 1128, retirando o domínio galego do condado. Anos depois, em 1139, após vitória portucalense sobre os muçulmanos na batalha de Ourique, D. Afonso Henriques autoproclama-se rei de Portugal. O reconhecimento do reino de Leão e Castela deste reino só se deu em 1143, com o Tratado de Zamora (a bula papal de reconhecimento é de 1179), pois Afonso VII pretendia tomar o título de Imperador da Hispânia, necessitando de reis vassalos, ele que também dispôs dos títulos de rei da Galiza, Leão, Castela e Toledo.

Com a exceção de Portugal, os outros reinos foram-se unindo e separando conforme casamentos e heranças de linhagem real, algo que só viria a estabilizar com a união matrimonial dos reis católicos, Isabel I de Castela e Fernando II de Aragão, que para além do conquistado reino muçulmano de Granada, englobava os reinos de Leão, Castela, Galiza Aragão, Toledo, Valência e Barcelona. Porém, os reinos mantiveram uma separação jurídica, daí a denominação de Monarquia Hispânica ou das Espanhas, pois incluia os vários reinos. A união ibérica voltou-se a verificar pela última vez entre 1580 e 1640, quando uma crise dinástica na Coroa portuguesa, originada pela morte do rei D. Sebastião e do cardeal D. Henrique sem deixar descendência, abriu caminho ao domínio de Portugal pela dinastia dos Habsburgos, que já controlava o restante território ibérico.

Em meados do século XVII as várias guerras em que a casa dos Habsburgos se viu envolvida trouxeram um descontentamento generalizado na península e um enfraquecimento do poder militar do Governo central. Na Catalunha sucederam revoltas, na de 1631 o Conde-Duque de Olivares, valido de Filipe IV, utiliza tropas portuguesas para debelar a rebelião. Em 1640 dá-se nova revolta da Catalunha, sendo assassinado o vice-rei, fazendo com que o governo hispânico concentrasse aí as suas tropas, algo que foi aproveitado por revoltosos portugueses para restaurar a independência do país, coroando D. João IV e expulsando a vice-rainha. A guerra da Restauração prolongou-se até 1665, altura em que a independência de Portugal foi reconhecida pela Monarquia Hispânica. 

Figura 6- Praça dos Restauradores.
Na Europa do século XVIII, com a Revolução Francesa, os reinos de Portugal, Espanha e Inglaterra unem-se para combater a França na campanha do Rossilhão, um conflito que terminou com o Tratado de Basileia, assinado em 1795. Entretanto, Napoleão Bonaparte sobe ao poder em França (1799), iniciando as Guerras Napoleónicas, nas quais se inseriu a Guerra Penínsular, em que a Espanha foi ocupada por França e colocada sob o governo de José Bonaparte. A guerra das Laranjas (1801) altera as fronteiras do território português, apesar de não reconhecido até aos dias de hoje, ao passar Olivença para o reino espanhol.

Em 1807, enquanto Napoleão faz concentrar tropas em Bayonne, os representantes da França e de Espanha entregam um ultimato a Portugal para se juntar no bloqueio continental  dos seus portos à navegação britânica e declarar a guerra aos ingleses. A França acaba por invadir Portugal, após a assinatura do  Tratado de Fontainebleau com Espanha, definindo uma repartição do território português em 3 novas unidades políticas:
  • Lusitânia Setentrional – principado a ser governado pelo soberano do extinto reino da Etrúria, um território entre o Minho e o Douro;
  • Lusitânia Central – a ser administrada diretamente pela França, um território entre o Douro e o Tejo;
  • Algarve – a ser governada por Manuel de Godoy, primeiro-ministro de Carlos IV, com o título de rei.
Napoleão acaba por perecer e a Espanha, libertada do seu jugo, fica mais unificada que nunca, pois até então era formada por um conjunto de reinos que se haviam associado, governados cada um de forma independente, com a sua administração, sistema jurídico e língua. A constituição de 1812 havia adoptado o nome "As Espanhas" para a nação, porém, após o período da 1ª República de Espanha (1873-1874), a constituição de 1876 adota pela primeira vez o nome "Espanha", um título que os monarcas haviam começado a utilizar apenas 2 anos antes.

O século XX trouxe instabilidade social e política na Europa e a Espanha não foi exceção, com foco na Catalunha, como a principal região industrial de Espanha, onde o anarquismo era a tendência política mais difundida entre os trabalhadores. À ditadura de Primo de Rivera foi sucedeu-se a 2ª República espanhola, com o rei a exilar-se em 1931. A vitória da Frente de Esquerda nas eleições de 1936 provoca uma reação da Direita espanhola que tenta provocar um Golpe de Estado, dando início à Guerra Civil Espanhola, em que os vencedores foram os nacionalistas liderados por Francisco Franco, auxiliados pela Itália e Alemanha, numa guerra que provocou cerca de 1 milhão de mortos.

Franco passou a ser o chefe de Estado de um regime ditatorial, proclamando-se "caudilho de Espanha pela graça de Deus". As bases do regime franquista eram definidas pela totalitarismo, nacionalismo, catolicismo e pelo anti-comunismo, suprimindo violentamente desejos de autodeterminação e afirmação das nações que compunham a Espanha. Hitler chegou a congeminar com Franco uma operação que visava a ocupação  militar de Portugal, para evitar que a Inglaterra ali aportasse, porém, a situação débil de Espanha em termos militares, em virtude da Guerra Civil, impossibilitou a sua entrada na 2ª Grande Guerra pelo lado do eixo.


Na Galiza, País Basco e Catalunha formaram-se movimentos de resistência ao regime franquista, muitos deles apoiados num sentimento nacionalista, pois a sua expressão cultural nacional era fortemente reprimida. A instauração da democracia em 1975 trouxe a liberdade para os povos ibéricos afirmarem a sua diferença, formando-se em Espanha uma Monarquia parlamentar com regiões autónomas em termos políticos.
Figura 7- Situação geográfica Catalã no século XXI relativamente à Península Ibérica.
Durante este período, a região da Catalunha tem aproveitado para afirmar a sua diferença relativamente ao governo da capital, seja através da língua, como através do desporto e da cultura, tendo mesmo abolido a tourada muito recentemente. A crise económica da Dívida Soberana Europeia que atinge a Espanha em 2012 ameaça ser um "rastilho" para a afirmação de uma Catalunha independente, aproveitando a fragilidade do país e retrocedendo num processo de maior união entre os povos da Europa preconizado pela UE. O que seguirá à  eventualidade de uma Catalunha independente? As ilhas Baleares, de cultura catalã, acompanhariam o novo Estado? O País Basco voltaria a exarcebar a sua autodeterminação? Estes tempos são críticos para a Península Ibérica...


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