quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Reminiscências do Passado (2): o Paço Real da Ribeira

O Paço Real da Ribeira foi um dos principais edifícios lisboetas que ruiu com o terramoto de 1755. Foi mandado construir por D. Manuel I, marcando simbolicamente o início da época moderna em Portugal, ou seja, quando o "rei guerreiro" sai da proteção do alto da sua acrópole ou castro, para se situar na zona ribeirinha, junto ao porto, como "rei comerciante" em plenos Descobrimentos.

O nome do Palácio deriva da ribeira de Valverde que ali desaguava, no antigo Terreiro do Paço, vinda da zona da Avenida da Liberdade. Erigido junto ao rio Tejo, a sua construção iniciou-se em 1498, sendo que até então, a residência régia em Lisboa situava-se no Castelo de S. Jorge, no paço da Alcáçova. Na zona da ribeira de Lisboa funcionavam os principais estaleiros portugueses (Ribeira das Naus), deslocados mais para Oeste, mas também os armazéns mais importantes do reino, relacionados com o comércio de especiarias
Figura 1- Extrato de representação de Lisboa por Georg Braun e Franz Hogenberg em que se vê o Paço da Ribeira (1598).
A primeira fase do palácio era dominada pelo estilo manuelino, dispondo-se numa planta retangular e com uma torre fortificada sobre o rio, construída entre 1508 e 1510 sob a supervisão de Diogo de Arruda,  e ainda com uma varanda em galilé de pedra rendilhada no 2º piso, que permitia ao soberano vigiar a entrada e saída dos navios do comércio ultramarino no porto de Lisboa, no coração do mar da Palha. No 1º piso funcionava a Casa da Índia, um espaço importante da Administração Pública, criada em 1503 (mantendo-se no Paço até ao terramoto de 1755) para administrar o monopólio régio relacionado com o comércio e navegação na Ásia e África, funcionando como feitoria, alfândega e arquivo. Mercadores de toda a Europa juntavam-se ali para adquirir as especiarias para as vender no resto do continente. No complexo palaciano foi também construída uma capela real, notável naquela época pela sua música litúrgica e cerimónias religiosas. Terminadas as obras em 1502, a corte transfere-se para o novo palácio.

A ribeira de Valverde foi aterrada de modo a que se criasse o Terreiro do Paço, passando a sua ligação ao Tejo a fazer-se de forma subterrânea. Naquele espaço localizava-se uma fonte e o pelourinho novo de Lisboa, mandados erguer pelo venturoso. Ali se realizavam a grande maioria das cerimónias e festividades públicas de Lisboa, tornando-se no local de encontro da sociedade lisboeta. É de referir que foi no Paço da Ribeira, sob a presença de D. Manuel I que foi representada pela 1.ª vez o auto de Gil Vicente, "Quem tem farelos".

Sob o domínio dos Filipes, o Paço da Ribeira foi alvo de reformulações, especialmente por iniciativa de D. Filipe I de Portugal. O novo projecto, envolvia a regularização da fachada voltada à praça, remodelações na capela real e nos aposentos do Rei. É acrescentado o Torreão Filipino em 1581, com 4 pisos em pedra de lioz, encimada por uma grande cúpula em chumbo de secção quadrangular, rematando a fachada voltada ao rio. Este torreão, projecto da autoria de Felipe Terzi, corrigido e modificado pelo arquiteto real Juan de Herrera. As grandes obras no Paço da Ribeira destruíram a fachada manuelina, impondo-lhe um  aspecto clássico de estilo maneirista, para além de aumentar o seu volume e número de pisos.
Figura 2- Quadro de Dirk Stoop com vista do Terreiro para o Paço da Ribeira (1650).
Neste Paço decorreu um dos episódios mais marcantes da História de Portugal, quando a 1 de dezembro de 1640 às 9 horas, dadas pelo relógio do Paço da Ribeira se deu início à operação militar que restaurou a independência de Portugal. Nesse dia 40 fidalgos portugueses invadiram o palácio, matando Miguel de Vasconcelos e deportando a Duquesa de Mântua, representantes do poder da Monarquia Hispânica, aclamando D. João IV como rei de Portugal, instaurando a dinastia de Bragança perante o povo que acorreu ao Terreiro do Paço em euforia. D. Luís de Menezes, na sua "História de Portugal Restaurado", refere que o grupo de conjurados pretendia avançar para a ação “com o menor rumor que fosse possível, se achassem todos junto ao Paço, repartidos em vários postos, e que tanto que o relógio desse nove horas saíssem das carroças ao mesmo tempo”. Mais à frente, nesse mesmo dia, os conjurados, “impacientes, esperavam as nove horas, e como nunca o relógio lhes pareceu mais vagaroso, tanto que deu a primeira, sem aguardarem a última, arrebatados do generoso impulso saíram todos das carroças e avançaram ao Paço”. 

Ainda no século XVII a Coroa portuguesa adquire o Palácio Corte Real, que ficava nas traseiras do Paço da Ribeira, integrando-o no complexo e passando a ser utilizado como residência do infante secundogénito da Família Real, estreado pelo irmão de D. Afonso VI, o infante D. Pedro, que posteriormente se tornou regente do Reino e rei de Portugal, como D. Pedro II.
Figura 3-  Vista do Terreiro para o Paço da Ribeira (cópia de 1783 a partir de um desenho 1740 de Zuzarte).
Na 1ª metade do século XVIII, com o ouro do Brasil e tendo como rei D. João V, Portugal conhece uma altura de grandes gastos públicos, nomeadamente em infraestruturas, mas também  em cultura e ciência, uma tentativa de engradecer a imagem do rei e do seu reino. O magnânimo torna-se mecenas de cientistas e de artistas, promovendo-os na sua corte, chegando a construir no Paço da Ribeiro uma grande Biblioteca, a Casa da Livraria, que rapidamente adquiriu fama pelos seus conteúdos e pesquisas. A Bivblioteca Real chegou a contar com mais de 70 mil volumes e centenas de obras de arte, incluindo pinturas de Ticiano, Rubens e Correggio.

O rei português consegue junto à Santa Sé a promoção da diocése de Lisboa a Patriarcado, sendo que a capela do Paço da Ribeira foi temporariamente elevada à dignidade de igreja patriarcal, enquanto se construía a nova basílica patriarcal, dividindo a jurisdição eclesiástica em Lisboa Ocidental e Lisboa Oriental, ficando a metade oriental da cidade adstrita à Sé Catedral, enquanto a outra ficava na alçada da Capela Real Patriarcal do Paço da Ribeira, aonde se desenrolaram riquíssimas cerimónias litúrgicas e áulicas barrocas.
Figura 4- Vídeo da Baixa lisboeta pré-terramoto de 1755, com incidência para o núcleo do Paço Real.


O terramoto de 1 de novembro de 1755 veio destruir completamente o Paço da Ribeira, tendo sofrido também a ação do maremoto que devastou a baixa da cidade. Foram perdidos grandes tesouros e testemunhos de Portugal, muitos deles correspondentes ao apogeu da Expansão marítima e Império português, onde seinclui o Arquivo Real com documentos relativos à exploração marítima. Não foi somente o edifício que se perdeu, mas os artefactos e documentos acumulados ali deste o tempo de D. Manuel I até ao reinado de D. José, passando pela época luxuosa de D. João V, uma trágica perda para Portugal e para o mundo.

Bibliografia

MENEZES, D. Luís de - História de Portugal Restaurado. III vols. Lisboa: Civilização, 1945.

SENOS, Nuno - O Paço da Ribeira: 1501-1581. Lisboa: Editorial Lemos, 2002.


Sítios web

Câmara Municipal de Lisboa

Museu da Cidade

Wikipédia

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