O "manuelino" é um estilo decorativo e escultórico usado na Arquitetura e no Mobiliário, algo tipicamente português que está relacionado com a epopeia dos Descobrimentos. Surge no período de transição entre a Idade Média e a Idade Moderna, entre o Gótico e o Renascimento, sendo muitas vezes designado um estilo de gótico português tardio, tendo uma iconografia bastante rica e única, apesar de ser fruto de várias influências culturais, como o estilo mudejar, o Renascimento italiano, plateresco hispânico, Norte da Europa e dos povos que os portugueses encontraram na sua expansão marítima para Oriente.
Figura 1- Janela de Convento de Cristo (Tomar).
A sua denominação foi aventada pelo diplomata brasileiro Francisco Adolfo Varnhagen, em "Notícia Histórica e Descriptiva do Mosteiro de Belém" (1842), ao querer designar uma unidade entre as várias obras características do reinado de D. Manuel I. Porém, é preciso referir que foi no reinado de D. João II que começaram a surgir as primeiras obras do género (Mosteiro de Santa Maria da Vitória, Batalha) e que se prolongou no reinado de D. João III, mas é preciso notar que foi D. Manuel I utilizou de forma abundante, desenvolvendo-o e utilizando, no conjunto estilístico, a representação da sua heráldica, uma forma de propaganda para se legitimar no trono do reino, que lhe caiu nas mãos de forma inesperada, daí o cognome o venturoso.
Figura 2- Custódia de Belém (MNAA) e pelourinho de Alverca.
O manuelino estrutura-se na arquitetura gótica, porém, apresenta uma exuberância de formas e decorações extremamente originais, recorrendo a elementos relacionados com a epopeia marítima e com os seres fantásticos descobertos em terras distantes, cruzando-se com um simbolismo cristão e pagão. É um estilo observado em bens imóveis, especialmente religiosos (igrejas, conventos) ou não (pelourinhos, palácios), mas na arte móvel, tanto tumular como na ourivesaria. Os motivos decorativos mais frequentes são:
- As armas do rei D. Manuel I - escudo nacional, o símbolo da legitimação de uma nova dinastia;
- A esfera armilar - um instrumento de astronomia aplicado em navegação que consta de um modelo reduzido do cosmos, tornando-se também num símbolo régio, divisa dada por D. João II ao seu cunhado, D. Manuel I;
- A Cruz de Cristo - a Ordem de Cristo (descendente dos Templários) foi o principal "motor" dos Descobrimentos numa 1ª fase;
- Elementos naturalistas - algas, conchas, cachos de uva, corais, alcachofras, pinhas, folhas de loureiro, de hera, árvores secas, romãs, etc. Um elemento em voga no Gótico final, próximo da estética franciscana, simbolizando a fertilidade ou a regeneração;
- Elementos fantásticos - animais, sereias, gárgulas, ouroboros e monstros (dragões), etc. Representam uma certa mitologia marítima, de proteção, retorno e os receios;
- Elementos estruturais - cordas, barcos, bóias, correntes, etc. Ligadas claramente a vida marítima dos portugueses;
- Elementos religiosos - anjos, o cordeiro (agnus dei), representações religiosas. Um dos grandes motivos para a epopeia marítima estava no domínio da expansão da religião cristã.
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Figura 3- Pormenor de janela manuelina do Mosteiro da Batalha. |
Há quem afirme que o manuelino é inspirado nas aspirações messiânicas do rei D. Manuel, que pretendia encontrar o reino cristão perdido de Prestes João, para assim dispor de auxílio para a cruzada contra a ocupação islâmica da Terra Santa e a fundação do 5.º império, de acordo com a Profecia de Daniel. A partir daí foram assimilados uma série de eventos insólitos que o levaram a acreditar que esta seria a vontade de Deus. Um desses eventos, o principal, foi aquele que o levou ao trono, depois da morte seguida de vários herdeiros diretos ao trono, especialmente o príncipe herdeiro D. Afonso. A esfera armilar conferida por D. João II a D. Manuel, com a expressão "Spera Mundi" escrita no meridiano foi interpretada como sinal de um desígnio divino. O seu nome, Emanuel, significando "Deus connosco" em hebraico, foi outro sinal, dado por sua mãe quando nasceu após um trabalho de parto longo e doloroso que só terminou quando a procissão do Corpo de Deus passou pela rua.
Em termos de arquitetura há poucas novidades, existe influência do gótico alemão e hispânico, mas é característico a aplicação de abóbodas com nervuras polinervadas a partir de mísulas, a ausência de transepto e cabeceiras retangulares. Ao nível da planta assistimos, entre 1490 e 1530, ao recurso a diferentes soluções, visível também nas cobertura, existindo exemplares de travejamento em madeira, assim como edifícios totalmente abobadados. A nível volumétrico há uma grande simplicidade, quebrada pela justaposição de corpos, os contrafortes arredondam-se e surgem mais ligeiros, pregados de elementos decorativos.
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Figura 4- Torre de Belém vista por dentro. |
Os principais autores do Manuelino diferem consoante a zona geográfica onde produzem o seu trabalho, sendo que no Norte de Portugal destacam-se Pêro Galego, João Lopes, Francisco Fial, João de Castilho, Tomé de Tolosa, João Vargas e João de Parmenes, muita influencia do Norte de Espanha, revelando nas suas obras os "combados", ou seja, abóbadas com anel central circular que permite um maior achatamento da cobertura, uma técnica que se foi alastrando ao resto do país por volta de 1520-1530, para além da ornamentação plateresca. No Sul destacam-se o mesmo João de Castilho, Diogo Boitaca, Mateus Fernandes e os irmãos Francisco e Diogo de Arruda, mais ligado à influência francesa e do Norte da Europa, para além do mudejar, preferindo as abóbadas com penetrações, recorrendo-se, especialmente na Estremadura, às nervuras curvas, de carácter decorativo, achatando-se o perfil das abóbadas, com uma decoração mais densa, recorrendo à ornamentação de chaves. Referindo alguns monumentos mais emblemáticos onde o manuelino está presente:
- Pelourinho de Arcos de Valdevez;
- Igreja Matriz de Caminha;
- Igreja Matriz de Vila do Conde;
- Igreja Matriz de Freixo de Espada à Cinta;
- Igreja do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra;
- Convento de Cristo de Tomar;
- Igreja de S. João Baptista de Tomar;
- Igreja Matriz da Golegã;
- Mosteiro de Santa Maria da Vitória de Batalha;
- Igreja de Nossa Senhora do Pópulo de Caldas da Rainha;
- Paço Real de Sintra;
- Mosteiros dos Jerónimos de Lisboa;
- Torre de Belém em Lisboa;
- Igreja do Mosteiro de Jesus em Setúbal;
- Paço de D. Manuel I em Évora;
- Castelo de Évoramonte;
- Igreja Matriz de Monchique;
- Igreja Matriz de Odiáxere;
- Igreja da Misericórdia de Loulé;
- Sé Catedral do Funchal;
- Igreja Matriz de Ponta Delgada.
Apesar de ser um estilo nacional, não é só no território atualmente português que se verificam os traços do Manuelino, pois a expansão marítima também fez com levássemos esta arte para outros locais do mundo como: Marrocos (Igreja da Assunção de Mazagão [El Jadida]; Catedral de Safim [Safi]); Cabo Verde (Pelourinho da Ribeira Grande); Moçambique (Capela de Nossa Senhora do Baluarte e Palácio de S. Paulo [ilha de Moçambique]); Índia (Igreja do Priorado do Rosário e Igreja de São Francisco [Goa], Fortaleza de Diu); Omã (Forte de Caçapo [Musandam]; Fortaleza de al-Jalali [Mascate]); Irão (cisterna da Fortaleza de Ormuz; Fortaleza de Queixome); Bahrein (capela do forte de Quala'at al-Bahrain). É preciso não esquecer o "melhor recanto de Espanha", a Igreja de Santa Maria Madalena de Olivença, cidade que foi parte do território português até ao episódio da Guerra das Laranjas (1801).
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Figura 5- Igreja de Nossa Senhora da Madalena (Olivença). |
O Estilo Manuelino é uma expressão artística que mostra uma nova etapa da história do reino português nos inícios do século XVI, uma etapa plena de riqueza económica e cultural, fruto de estarmos em pleno desenvolvimento dos Descobrimentos e da nossa expansão marítima e comercial. É uma das marcas que simbolizam aquilo que Portugal fez pela Humanidade, dando "novos mundos ao mundo".
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