quinta-feira, 30 de junho de 2011

RTP: a privatização (pt. 3- Considerações Finais para uma acção)

As posições do Estado que se têm perfilado relativamente ao serviço público de televisão são essencialmente três, que, obviamente, se podem dividir em diversas variantes. As posições são: (1) manutenção dos 2 canais públicos; (2) privatização dos 2 canais públicos; (3) manutenção de 1 canal e a privatização do outro canal público.
Relativamente à 1ª situação, a RTP1 manter-se-ia como canal pela “luta” das audiências, tentando ajustar o serviço público à necessidade de obter audiência, mantendo a RTP2 como canal que “rema contra a maré”. Trata-se no fundo de tentar colher os frutos da reestruturação e fusão de 2004, aglutinando a RTP e a RDP, com vista à partilha de unidades orgânicas, chefias e recursos humanos, com um consequente emagrecimento de pessoal, o que tem acontecido a bom ritmo, com rescisões por mútuo acordo e situações de pré-reforma que permitiram reduzir bastante os gastos operacionais da empresa. O caminho de reestruturação ainda vai a meio e esta solução passaria por deixar “as coisas” seguirem o seu curso normal, mas a visão liberal, a meu ver, persistirá independentemente disso enquanto recursos do Orçamento de Estado forem desviados para sustentar a televisão pública, correndo-se o risco de eternizar a questão.
A privatização dos 2 canais públicos seria a solução ideal para quem não acredita que Portugal necessite de um serviço público de televisão, pelo que as atribuições que lhes estão competidas poderão ser prosseguidas por outros meios à disposição do Estado. Ainda assim há quem acredite que é possível dispor de um serviço público de televisão com a alienação total da RTP, através da contratualização de programas com esse cariz com as televisões privadas. É uma solução que traz alguns problemas, primeiro porque envolve uma negociação em que os valores dependerão da duração dos programas e das horas e dias em que serão exibidos, uma operação que ficará mais cara se a programação for no prime time televisivo, que no fim de contas seria o ideal para a obtenção da audiência que um verdadeiro serviço público necessita. Depois há sempre o risco de acusações do Estado estar a financiar privados e de subverter as regras de concorrência pelo favorecimento a um canal específico, para além do mais, poderá condicionar ou influênciar a linha editorial da estação privada a favor do partido no Governo. Continua a ser uma situação em que escassos recursos do Estado financiariam um serviço público, desta vez em privados, o que iria desagradar a sectores liberais e a sectores conservadores, criando também situações de avanço e recuo que eternizarão a questão. Contudo, parece óbvio que nesta solução a Entidade Reguladora para a Comunicação Social terá de ter mais força e um papel mais activo na defesa do interesse comum.
Por fim, a situação do “meio-termo”, a manutenção de um canal como público e a privatização do outro. É uma solução capaz de agradar a gregos e a troianos, contudo, nos moldes em que se falam não me parece que seja uma solução benéfica para o Estado, especialmente pelas questões que muitas vezes são esquecidas quando se prepara uma operação deste género. A RTP hoje em dia é uma empresa que fornece serviços de rádio e televisão, dispõe de um museu e de um enorme acervo arquivístico audiovisual, fonográfico e fotográfico. Os serviços foram aglutinados na Avenida Marechal Gomes da Costa, uma área reformulada para albergar as 2 empresas de Comunicação, a RTP e RDP, com a consequente alienação das antigas sedes[1].
Deste modo, é importante descortinar o que se vai alienar e como. Discute-se a alienação da RTP2 e porventura a extinção da Antena 2, coincidentemente, ou não, os meios de comunicação de serviço público mais puristas, mas também aqueles que chegam a menos pessoas. Que infra-estruturas e recursos humanos estarão no “pacote” de privatização? Numa fase de simbiose de infra-estruturas, meios técnicos e recursos humanos entre os diversos sectores da empresa, o verdadeiro problema será decidir o que ficará no público e o que partirá para as mãos de privados, sendo que no caso do património imóvel e móvel, a questão é particularmente complicada, pois se vendido, e dentro da lógica da manutenção de outro canal, terão de haver um investimento forte em infra-estruturas e recursos técnicos que dificilmente o dinheiro ganho pela privatização poderá cobrir. Neste processo, não nos podemos olvidar da enorme complexidade que a RTP reveste, falo não só da RTP1 e RTP2, mas de RTPN, RTP Memória, RTP África, RTP Internacional[2], Antena 1, 2 e 3, RDP África e RDP Internacional, que actualmente se situam na sede da Avenida Marechal Gomes da Costa, assim como o museu e parte do arquivo audiovisual e fonográfico.
A questão do Arquivo é algo complexa. A RTP elaborou um protocolo com a Cinemateca, em que o acervo em suporte antigo e obsoleto passaria a ser gerido pelo ANIM, contudo, esta entidade ainda não tem a capacidade para receber tamanho material, e refiro-me somente à questão das “imagens em movimento”, a situação relativa ao espólio da rádio ainda não foi abordada. É natural que o Estado ainda não tenha as infra-estruturas com capacidade e condições ideais de preservação para receber este material, pois requer um grande investimento, mas é algo que terá de apressar com a privatização da RTP. Actualmente, não se pode dizer que o material disponha das condições ideais de preservação no local onde está situado, mas é um facto que dispõe de algumas prerrogativas essenciais, que constituem um pesado encargo para a televisão do estado[3]. O protocolo referido deu origem a um projecto de digitalização do material audiovisual que faz parte da história da RTP e do país, algo a que o ANIM não terá acesso, pois esse material faz parte dos processos de negócio da RTP, o que levanta outra questão: que direitos terão os compradores privados sobre o grande activo de documentação audiovisual da RTP? A solução lógica seria a integração do material audiovisual, fonográfico, fotográfico e documental no Estado, tanto da perspectiva analógica como digital, o que a meu ver retiraria algum valor à empresa que vai ser privatizada.
Na minha óptica, a solução passará por manter um canal público de televisão que seja auto-sustentável através de receitas próprias, sem recurso ao dinheiro do Estado, pondo fim a conversas de despesismo dos dinheiros públicos. Em vez de privatizar, a minha ideia passa por extinguir a RTP2, ao mesmo tempo poder-se-ia abrir uma vaga para a realização de concurso para um novo canal privado de televisão, algo já pensado para uma realidade de 5 canais abertos, e com deslocações de alguns dos recursos humanos afectos à RTP para esse novo empreendimento. Penso que a auto-sustentabilidade da RTP é perfeitamente alcançável nos moldes da programação actual, com algumas alterações evidentemente, que possam englobar alguma da programação que existe na RTP2 e com um reforço na aposta na produção nacional de conteúdos televisivos e cinematográficos que tem vindo a ser levada a cabo. O equilíbrio entre o fornecimento de serviço público e a obtenção de um bom share é perfeitamente compatível, é um trabalho que deve ser entregue aos técnicos, mas avaliado pelo accionista Estado, não devendo limitar a RTP1 de chegar a boa parte do público nacional, sendo que o vídeo on demand, a disponibilização na internet e a RTPN poderão suprir as lacunas que a extinção da RTP2 poderá trazer a panorama educacional e cultural do país.


[1] A RTP dispõe de uma sede na área do Grande Porto (estúdios do Monte da Virgem, Gaia), nos Açores e na Madeira, para onde também confluíram os serviços de rádio.
[2] Para este caso não interessa muito a situação da RTP Madeira ou RTP Açores.
[3] Actualmente o espólio obsoleto encontra-se num armazém alugado na zona do Prior Velho.


1 comentário:

  1. A RTP tem 16 canais -radio e TV . No Pais que temos há canais públicos a mais. Assim com os 112 milhões de receita do audiovisual é possível manter 4 canais de TV- um serviço publico aglutinando muita Informacao , cultura e desporto e curto entretenimento, um canal internacional e os dois regionais. Na radio a filosofia seria semelhante mas alem da Antena 1 , teríamos a 2 ( So o Estado pode manter um canal destes) um internacional e dois regionais. Este seria um modelo sem publicidade e de verdadeiro servilo publico

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