domingo, 7 de agosto de 2011

Jornal de Negócios: "O Estado somos nós, mas é deles"


Meio Portugal está chocado com as nomeações do Governo. O outro meio está de férias.
O mais grave, contudo, já não é a contagem de cabeças. É terem feito do Estado uma camarata em sistema de cama quente. Os partidos dos Governos destruíram a competência na Administração Pública.

A transparência é a melhor arma da democracia, se bem utilizada. Já no anterior Governo, o portal BASE, que agrega os contratos públicos e as adjudicações directas, permitiu que ficássemos a conhecer muito mais do Estado, do despesismo tardio da Parque Escolar ao rico jantar de aniversário da Anacom. É por isso que é preciso elogiar Passos Coelho: o portal com a lista das nomeações era promessa eleitoral para duvidar. Já está cumprida. E já está comprida. Mais de 300 nomes num mês.

A partidarização da Função Pública é gritante, sobretudo nas chefias, os cargos mais bem pagos. A devassa tornou-se tão banal que um Governo, quando chega, entende como normal fazer a limpeza higiénica da partidarização anterior. E, portanto, não muda a politização: actualiza-a.

O mal que os outros fizeram não justifica o nosso. Dizer que o PS nomeou mais é uma desculpa do PSD e do PP. Mas não os desculpa de perpetuar esta destruição da competência da Função Pública. Os partidos fizeram dos funcionários públicos os servos para quem elegem chefes.

Os dirigentes da Função Pública, como os gestores das empresas públicas, são os responsáveis do que lá corre bem e mal. É nas chefias que está alojado o problema. Ao partidarizar este nível hierárquico, os partidos do Bloco Central ceifaram-no. A Administração Pública está cheia de chefes incompetentes, sustentados por um partido e removidos pelo outro. E isso mina a motivação e empenho dos chefiados: para quê ser competente se o critério é o cartão do partido?

Não são todos maus, mas tornou-se necessário dizer que há excepções no que devia ser a regra. Nos últimos anos, o fenómeno piorou. Quem pôde sair saiu. Muitos reformaram-se. E assim a competência técnica foi-se esvaindo, desonrando o cargo de director-geral e descapitalizando a qualidade dos serviços. Veja-se a área financeira: diz-se que o Estado tem gente a mais mas Carlos Moedas, para fazer a equipa que vai trabalhar com a troika, tem de recrutar no privado. A Direcção-geral do Orçamento, o INE e a Administração Fiscal estão com falta de gente.

Passos Coelho compreende bem esta opinião: já defendeu coisa parecida. Agora no Governo, atreveu-se a avançar com o portal mas não pôde esperar pelo novo estatuto do pessoal dirigente que prometeu, e iniciou as nomeações, chamando-lhes de "transitórias". Pois...

Houve uma altura em que os "jobs for the boys" se disfarçavam, agora reciclam-se. Nas empresas públicas, sob a pressão de reduzir custos, estão a ser feitas listas de despedimentos.

Quem está a fazer essas listas são as mesmas pessoas que conduziram as empresas à ruína. Nesse jogo de vida ou morte dos trabalhadores, escolherão eles os mais partidarizados? Espera-se que não. Mas deve ser-lhes difícil listar para despedimento os incompetentes: poderiam ter de escrever o seu próprio nome.

Nunca o Estado precisou tanto de gente competente para fazer o que é preciso. Mas nunca a Administração Pública esteva tão fraca, porque enfraquecida, como hoje. O Estado tornou-se um hotel com uma porta giratória por onde entram e saem os chefes futuros e passados. Quando entram, dormem nas suites. Só os funcionários que os servem não mudam, na cozinha ou na lavandaria. Mas é a eles que fazem a cama.

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