Boa entrevista de Francisco Assis, falando abertamente do que vai mal no seu partido, mas penso que poderia ter sido mais aprofundada em algumas questões, nomeadamente no que se refere aos problemas relativos à constituição e organização do PS e dessa tal "subcultura aparelhística".
Provavelmente, Assis discute estes problemas de forma tão aberta porque já sabe de antemão que poucas hipóteses terá de ganhar, fomentando, ao menos, a discussão destes assuntos que minam os grandes partidos políticos portugueses (não duvidem que no PSD há as mesmas questões, senão maiores), e que, por consequência, afecta a eficácia governativa, democrática e de igualdade no Estado.
Infelizmente, aos olhos dos militantes socialistas, está conotado com a derrota de José Sócrates, e por isso a possibilidade de reformas nos partidos vai ter de esperar... mais uma vez!
Candidato a líder socialista promete lutar contra subcultura aparelhística instalada no partido que faz com que os processos de decisão estejam “inquinados”.
Correio da Manhã - Quando tomou a decisão de se candidatar à liderança do PS, fê-lo com a consciência de que havia uma pessoa a preparar terreno há bastante tempo? Não teme essa desvantagem?
Francisco Assis - Fi-lo com o mesmo estado de espírito que esteve sempre presente nas minhas candidaturas aos mais diversos cargos políticos: com uma enorme disponibilidade para travar este combate, sem estar preocupado excessivamente se irei ganhar ou perder.
- Foi difícil ver o seu ex-chefe de gabinete manifestar apoio a António José Seguro?
- Procuro em tudo o que tem a ver com as decisões políticas manter-me num registo estritamente político. Aquilo que é da ordem pessoal não é importante do ponto de vista da sua avaliação política.
- Mas foi uma surpresa?
- Digamos que não foi uma coisa que me tivesse propriamente agradado.
- Pensou desistir?
- Nunca. A minha vida não tem sido uma vida de distanciamento em relação aos compromissos e aos combates políticos e, portanto, nunca me ocorreu essa possibilidade.
- Tem sublinhado a necessidade de se abrir uma nova fase no PS e já afirmou que há coisas que estão mal. Especifique.
- Há duas linhas de análise. Em relação ao comportamento do Governo e à forma como conduziu o País, podemos fazer uma análise crítica, mas penso que, no essencial, o Governo teve razão. Outra coisa é olhar para dentro do partido e perceber em que estado está.
- E em que estado está?
- O PS tem de olhar para si próprio com olhar lúcido. Não deve ter nem olhar cruel nem ilusório. E há problemas no PS, como há noutros partidos.
- Mas especifique.
- Julgo que há hoje no PS demasiadas concelhias e distritais, onde não se faz o debate político que se deveria fazer, onde os processos de decisão estão inquinados, onde é preciso libertar o partido e restituí-lo aos militantes.
- O que é que conduziu a isso?
- Erros, vícios aparelhísticos múltiplos que se acumularam ao longo de muitos anos.
- Concorda que o PS esteve asfixiado por conta da liderança de Sócrates?
- O problema do PS é muito mais vasto, não é uma coisa dos últimos seis anos. O problema é que se instalou nos partidos uma subcultura aparelhística que os impede de discutir as grandes questões e que os afasta das pessoas.
- Essa é precisamente uma das suas propostas, a implementação de primárias, com abertura a cidadãos.
- Devemos dar um sinal que queremos valorizar a participação de pessoas exteriores.
- Alguns socialistas consideram-na populista.
- Populista é fazer um apelo primário emocional aos militantes procurando pô-los contra os simpatizantes para ganhar vantagem eleitoral.
- Como tem assistido à governação PSD/CDS?
- O que podemos avaliar objectivamente é o programa. É um Governo que tem um propósito político que passa por destruir aspectos fundamentais do nosso estado do bem--estar social. Desse ponto de vista, deverá ser combatido com firmeza por parte do PS.
- Considera justo o imposto extraordinário?
- Não, acho que contradiz completamente aquilo que o PSD se propunha fazer antes de chegar ao Governo. Em segundo lugar, a medida ainda não foi devidamente explicada nos seus fundamentos quanto à sua absoluta necessidade.
- A necessidade será muito provavelmente o desvio de dois mil milhões de euros nas contas públicas...
- Teremos de ver com rigor.
- Caso não vença as eleições, qual será o seu futuro no PS?
- Espero ganhar as eleições. Se as perder continuarei como deputado.
"SOU COMPLETAMENTE DIFERENTE DE SÓCRATES"
CM - Ao longo da governação de José Sócrates, manteve uma postura firme de apoio ao caminho trilhado. Não teme que essa colagem o penalize?
F.A. - Porque havia de penalizar!? Fiz uma defesa séria da acção do Governo, nunca fui um seguidista, mantive independência.
- Identifica-se com Sócrates?
- Claro que identifico, senão não teria estado com ele.
- Mas, enquanto secretário-geral, vai estar próximo de Sócrates?
- Vamos lá ver, eu sou eu. A minha identificação assenta numa relação de amizade e respeito. Agora, somos pessoas completamente diferentes, basta conhecer um e outro.
PERFIL
Francisco Assis, 46 anos, é licenciado em Filosofia pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Foi presidente da Câmara Municipal de Amarante, eurodeputado socialista e líder da bancada parlamentar do PS em dois mandatos distintos.
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