A reintrodução da águia-pesqueira (Pandion haliaetus) em Portugal é uma excelente notícia para todos os ambientalistas e para todos os benfiquistas. Esta ave de rapina tem geralmente a cabeça com penas de cor branca, alimenta-se quase exclusivamente de peixe, capturando-o com as patas num voo picado ou rasante. É uma espécie algo solitária, embora possa ocorrer em bandos, sendo que os casais são monogâmicos durante a estação em que acasalam.
Até à decada de 50 existiam em Portugal cerca de 20 casais nidificantes, uma população em declínio progressivo devido à acção humana, pela agricultura de irrigação, transformadora da paisagem rural, pela caça indiscriminada e pela pesca em linha, afastando estas aves dos seus locais de nidificação. A espécie acabou por se extinguir no nosso território... em 1997 morreria a última águia-pesqueira residente em Portugal.
Figura 1- Águia-pesqueira com um peixe nas suas garras. |
http://ecosfera.publico.pt/noticia.aspx?id=1502880
Ricardo Garcia
Ao primeiro clique da máquina fotográfica, uma das aves pia. É um som alto, num timbre imponente, que a princípio parece cancelar os demais ruídos à volta, para imediatamente a seguir os despertar: uma cigarra que canta, um peixe a saltar da água, a brise leve sobre as azinheiras. Um novo clique, mais um pio e todos ali à volta - o biólogo Luís Palma, os representantes da empresa dona da propriedade, os jornalistas do PÚBLICO - a andar em bicos de pés, de modo a manter o máximo silêncio.
Silêncio, peixes, sombra e água fresca é tudo de que necessitam, neste momento, dez jovens águias-pesqueiras trazidas da Suécia e da Finlândia para as margens do Alqueva. Na terça-feira passada, cinco já ocupavam as grandes gaiolas de madeira montadas sobre palafitas, a poucos metros do espelho de água. Ontem à noite, chegariam mais cinco.
É a concretização de um projecto antigo para fazer com que a águia-pesqueira volte a reproduzir-se em Portugal. Esta espécie de ave de rapina (Pandion haliaetus) pode ser vista em muitos pontos do país, durante as suas migrações do Norte da Europa para África, no Outono. Mas a população nidificante, que caíra a pique desde o princípio do século passado até ficar reduzida a um único casal na costa alentejana, desapareceu com a morte da fêmea, em 1997 - num episódio que assinalou em tempo real a extinção regional de uma espécie. Desde então, falharam todas as tentativas de se lançar um projecto de introdução da águia-pesqueira, uma das espécies de rapina mais emblemáticas de Portugal (ver textos acima sobre outras águias de grande porte). Agora, dez delas vão passar uma breve temporada a adaptar-se à paisagem do Alentejo, antes de serem libertadas. Até 2015, mais dez por ano serão importadas.
As águias, com quatro a cinco semanas de vida, são colhidas do ninho, na Escandinávia, onde a espécie é abundante. Transportadas em aviões da TAP, são levadas para as gaiolas, onde permanecem durante mais três a quatro a semanas, com vista para o Alqueva e o montado.
"A ideia de trazer juvenis é de fazer o imprinting do local, ou seja, elas têm de saber que são dali. Se trouxéssemos adultos, voltavam para o mesmo sítio", explica o biólogo Pedro Beja, do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (Cibio) - uma organização privada, ligada à Universidade do Porto, que tomou a iniciativa do projecto.
Regressar à base
Quando forem soltas, terão à sua disposição estruturas de madeira posicionadas na margem da albufeira, com traves onde pousar e alimentadores com peixes. Mas provavelmente desaparecerão, dispersando pela região ou possivelmente migrando para África. A expectativa é a de que, ao chegarem à maturidade sexual, regressem para nidificar no Alqueva, identificado como sendo a sua origem. Ninhos artificiais serão colocados em ilhas da albufeira. "Elas não vão voltar à Finlândia ou à Suécia, isto é seguro", garante Luís Palma, coordenador científico do projecto e que há décadas acompanha a sorte da águia-pesqueira em Portugal.
Não é uma iniciativa inédita. "Isto é feito nos Estados Unidos há 50 anos", diz Luís Palma. Espanha também se lançou num projecto semelhante, com aves importadas da Alemanha. Oito anos e uma centena de libertações depois, dois ou três casais voltaram a procriar no país.
Luís Palma afirma que metade das águias pode acabar por vir a morrer, o que é natural. Os responsáveis do projecto estão conscientes de que, para ter resultado, o esforço terá de ser de longo prazo.
Para já, contam com 640 mil euros de financiamento para cinco anos. O dinheiro não vem do Estado, mas de uma empresa, a EDP, que ironicamente é alvo sistemático de críticas por parte de organizações ambientalistas, pelo impacto da construção de barragens em zonas de elevado interesse natural. Mas, segundo a EDP, apoiar um projecto como o da águia-pesqueira não é uma tentativa de amenizar os ataques. "Não é essa a nossa visão", diz António Neves de Carvalho, director de ambiente e sustentabilidade da empresa. O projecto "dá continuidade à estratégia da EDP para acrescentar valor à biodiversidade", diz Neves de Carvalho, salientando o facto de se poder repovoar as albufeiras com uma espécie que já terá sido comum em águas interiores no passado.
O projecto também tem o apoio da Sociedade Alentejana de Investimentos e Participações (SAIP), uma empresa do grupo Roquette que tem em curso a construção de um grande empreendimento turístico no Alqueva. A morada das águias é a herdade do Roncão, que dá nome ao projecto turístico - antes conhecido como Parque Alqueva e também contestado por ambientalistas.
Para André Roquette, administrador da SAIP, a iniciativa das águias enquadra-se na filosofia de sustentabilidade do empreendimento, cujo impacto na biodiversidade vai ser aferido com base numa caractezição já feita da situação de referência. "Estamos sempre abertos, dentro das nossas disponibilidades, a contribuir com esses projectos", afirma.
O Alqueva também foi contestado por várias organizações de defesa do ambiente. Mas para os líderes do projecto, era a opção ideal: é uma zona com pouca perturbação, muito espaço e peixes em abundância. Para as águias escandinavas, agora é esse o seu berço. Ao pé das suas gaiolas, sussurram-se as perguntas e as respostas da entrevista. Mais longe, à vontade sob a sombra de uma azinheira, Luís Palma reconhece que ele próprio foi contra a construção da barragem. E diz que muitos dos peixes que lá estão são de espécies introduzidas artificialmente na bacia do Guadiana. "É tudo artificial, mas tem um grande potencial", afirma. "Temos de ser pragmáticos".
Evoluir para o Sado
O Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB) - que nunca dera seguimento a projectos anteriores de reintrodução da águia-pesqueira - agora está animado. "Começou por ser um pedido de importação de animais", afirma o seu presidente, Tito Rosa. "Mas desde logo pensámos que o projecto deveria evoluir para potenciar a reintrodução em áreas protegidas", completa. Uma fase seguinte, que o ICNB tentará apoiar financeiramente, poderá ser no estuário do Sado.
Por ora, com as penas das asas ainda a crescer, as jovens águias permanecem o tempo todo pousadas nas suas camas de feno, vigiadas por um circuito interno de TV e refrescadas com um duche automático, sempre que a temperatura sobe acima dos 30 graus Celsius.
A águia-pesqueira está ameaçada apenas regionalmente, no Sul da Europa, no Mediterrâneo e na Macaronésia. Com vastas populações no Norte da Europa, as possibilidades de reintrodução são mais fáceis do que as de uma espécie em risco global de extinção, como o lince. "É bom intervir na conservação antes que as coisas estejam mal", diz Luís Palma. "Este projecto pode servir de exemplo."
Silêncio, peixes, sombra e água fresca é tudo de que necessitam, neste momento, dez jovens águias-pesqueiras trazidas da Suécia e da Finlândia para as margens do Alqueva. Na terça-feira passada, cinco já ocupavam as grandes gaiolas de madeira montadas sobre palafitas, a poucos metros do espelho de água. Ontem à noite, chegariam mais cinco.
É a concretização de um projecto antigo para fazer com que a águia-pesqueira volte a reproduzir-se em Portugal. Esta espécie de ave de rapina (Pandion haliaetus) pode ser vista em muitos pontos do país, durante as suas migrações do Norte da Europa para África, no Outono. Mas a população nidificante, que caíra a pique desde o princípio do século passado até ficar reduzida a um único casal na costa alentejana, desapareceu com a morte da fêmea, em 1997 - num episódio que assinalou em tempo real a extinção regional de uma espécie. Desde então, falharam todas as tentativas de se lançar um projecto de introdução da águia-pesqueira, uma das espécies de rapina mais emblemáticas de Portugal (ver textos acima sobre outras águias de grande porte). Agora, dez delas vão passar uma breve temporada a adaptar-se à paisagem do Alentejo, antes de serem libertadas. Até 2015, mais dez por ano serão importadas.
As águias, com quatro a cinco semanas de vida, são colhidas do ninho, na Escandinávia, onde a espécie é abundante. Transportadas em aviões da TAP, são levadas para as gaiolas, onde permanecem durante mais três a quatro a semanas, com vista para o Alqueva e o montado.
"A ideia de trazer juvenis é de fazer o imprinting do local, ou seja, elas têm de saber que são dali. Se trouxéssemos adultos, voltavam para o mesmo sítio", explica o biólogo Pedro Beja, do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (Cibio) - uma organização privada, ligada à Universidade do Porto, que tomou a iniciativa do projecto.
Regressar à base
Quando forem soltas, terão à sua disposição estruturas de madeira posicionadas na margem da albufeira, com traves onde pousar e alimentadores com peixes. Mas provavelmente desaparecerão, dispersando pela região ou possivelmente migrando para África. A expectativa é a de que, ao chegarem à maturidade sexual, regressem para nidificar no Alqueva, identificado como sendo a sua origem. Ninhos artificiais serão colocados em ilhas da albufeira. "Elas não vão voltar à Finlândia ou à Suécia, isto é seguro", garante Luís Palma, coordenador científico do projecto e que há décadas acompanha a sorte da águia-pesqueira em Portugal.
Não é uma iniciativa inédita. "Isto é feito nos Estados Unidos há 50 anos", diz Luís Palma. Espanha também se lançou num projecto semelhante, com aves importadas da Alemanha. Oito anos e uma centena de libertações depois, dois ou três casais voltaram a procriar no país.
Luís Palma afirma que metade das águias pode acabar por vir a morrer, o que é natural. Os responsáveis do projecto estão conscientes de que, para ter resultado, o esforço terá de ser de longo prazo.
Para já, contam com 640 mil euros de financiamento para cinco anos. O dinheiro não vem do Estado, mas de uma empresa, a EDP, que ironicamente é alvo sistemático de críticas por parte de organizações ambientalistas, pelo impacto da construção de barragens em zonas de elevado interesse natural. Mas, segundo a EDP, apoiar um projecto como o da águia-pesqueira não é uma tentativa de amenizar os ataques. "Não é essa a nossa visão", diz António Neves de Carvalho, director de ambiente e sustentabilidade da empresa. O projecto "dá continuidade à estratégia da EDP para acrescentar valor à biodiversidade", diz Neves de Carvalho, salientando o facto de se poder repovoar as albufeiras com uma espécie que já terá sido comum em águas interiores no passado.
O projecto também tem o apoio da Sociedade Alentejana de Investimentos e Participações (SAIP), uma empresa do grupo Roquette que tem em curso a construção de um grande empreendimento turístico no Alqueva. A morada das águias é a herdade do Roncão, que dá nome ao projecto turístico - antes conhecido como Parque Alqueva e também contestado por ambientalistas.
Para André Roquette, administrador da SAIP, a iniciativa das águias enquadra-se na filosofia de sustentabilidade do empreendimento, cujo impacto na biodiversidade vai ser aferido com base numa caractezição já feita da situação de referência. "Estamos sempre abertos, dentro das nossas disponibilidades, a contribuir com esses projectos", afirma.
O Alqueva também foi contestado por várias organizações de defesa do ambiente. Mas para os líderes do projecto, era a opção ideal: é uma zona com pouca perturbação, muito espaço e peixes em abundância. Para as águias escandinavas, agora é esse o seu berço. Ao pé das suas gaiolas, sussurram-se as perguntas e as respostas da entrevista. Mais longe, à vontade sob a sombra de uma azinheira, Luís Palma reconhece que ele próprio foi contra a construção da barragem. E diz que muitos dos peixes que lá estão são de espécies introduzidas artificialmente na bacia do Guadiana. "É tudo artificial, mas tem um grande potencial", afirma. "Temos de ser pragmáticos".
Evoluir para o Sado
O Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB) - que nunca dera seguimento a projectos anteriores de reintrodução da águia-pesqueira - agora está animado. "Começou por ser um pedido de importação de animais", afirma o seu presidente, Tito Rosa. "Mas desde logo pensámos que o projecto deveria evoluir para potenciar a reintrodução em áreas protegidas", completa. Uma fase seguinte, que o ICNB tentará apoiar financeiramente, poderá ser no estuário do Sado.
Por ora, com as penas das asas ainda a crescer, as jovens águias permanecem o tempo todo pousadas nas suas camas de feno, vigiadas por um circuito interno de TV e refrescadas com um duche automático, sempre que a temperatura sobe acima dos 30 graus Celsius.
A águia-pesqueira está ameaçada apenas regionalmente, no Sul da Europa, no Mediterrâneo e na Macaronésia. Com vastas populações no Norte da Europa, as possibilidades de reintrodução são mais fáceis do que as de uma espécie em risco global de extinção, como o lince. "É bom intervir na conservação antes que as coisas estejam mal", diz Luís Palma. "Este projecto pode servir de exemplo."
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