As golden shares são acções de categoria especial detidas pelo Estado aquando do processo de privatização de empresas públicas, mantendo uma participação accionista que, apesar de minoritária, lhe confere poderes especiais, que diferem de caso para caso. Deste modo o Estado pode evitar, através do poder de veto, que certas decisões estratégicas sejam tomadas pelos restantes accionistas, nomeadamente aquelas que vão contra os interesses nacionais.
Na União Europeia tem-se discutido a legitimidade dos diferentes Estados possuírem este tipo de mecanismos em empresas que privatizaram, cuja tendência será para a proibição. Na maior parte das vezes, são países como Portugal, Irlanda, Grécia, Polónia e Itália que estão debaixo do radar da Comissão Europeia, contudo, a Alemanha, França e Reino Unido também têm os seus interesses "dourados" em empresas do seu país.
Se é verdade que as empresas que estão sujeitas a este tipo de participações do Estado estão, de certo modo, desvalorizadas pela falta de margem de manobra dos seus accionistas, também é verdade que certas empresas são de interesse estratégico do Estado e, porventura, nunca deviam ter sido privatizadas por falta de uma concorrência natural, não se traduzindo na melhoria de serviços e numa baixa de preços, e por utilizarem e disporem de recursos naturais do Estado, caso da EDP. Por outro lado, é ridículo que empresas como a Volkswagen e a Rolls Royce tenham participações do Estado, alimentadas pelo medo que passem para "mãos estrangeiras" e que deslocalizem as sua unidades de produção para outros países.
Parece que, ao contrário da Irlanda e da Grécia, que também receberam a ajuda da União Europeia e do FMI, Portugal vai mesmo livrar-se de todas as golden shares de que dispõe, inclusivamente as da EDP.
É já amanhã que a PT vai dar um passo decisivo em assembleia-geral para pôr fim aos poderes especiais do Estado, na sequência de um compromisso assumido no Memorando de Entendimento assinado com a troika.
Em Agosto seguem-se a Galp e a EDP, que são as últimas da lista de golden shares nacionais. Mas a verdade é que a pressão que tem sido feita pela Comissão Europeia sobre Portugal, para abandonar estes privilégios, não teve até hoje o mesmo resultado noutros países.
Em toda a União Europeia (UE), de acordo com um levantamento feito pelo PÚBLICO, há pelo menos outros nove estados-membros que ainda detêm golden shares e direitos especiais em grandes empresas, protegendo-as de investidas estrangeiras e controlando algumas decisões estratégicas dos accionistas. É o caso da Alemanha e do Reino Unido.
Num país que desde sempre tem sido um dos motores da integração europeia, permanece ainda hoje um claro obstáculo à livre circulação de capitais no maior fabricante europeu de automóveis. Na alemã Volkswagen, o Estado da Baixa Saxónia detém mais de 20 por cento do capital, o que lhe dá direitos especiais definidos numa lei de 1960. Nomeadamente, a presença obrigatória de um representante na administração e a limitação dos direitos de voto de todos os accionistas, independentemente da participação no capital social.
Há quase quatro anos que a Alemanha foi condenada pelo Tribunal de Justiça europeu, mas a situação mantém-se sem qualquer sanção. Aliás, foi nesse mesmo ano que a chanceler Angela Merkel defendeu publicamente a necessidade de um plano europeu que admitisse goldenshares em áreas estratégicas.
UE abre excepções
Já o Reino Unido acatou algumas recomendações da UE e acabou com os direitos especiais que o Estado tinha em empresas como a British Airports Authority (BAA). O abandono desta posição privilegiada teve como consequência um dos maiores receios dos defensores destes instrumentos de intervenção estatal: a empresa, dona de alguns dos maiores aeroportos europeus, está hoje nas mãos de capital estrangeiro, a espanhola Ferrovial.
Em contrapartida, o Estado britânico continua a ter uma golden share em duas grandes companhias: a BAE Systems e a Rolls Royce, ambas no sector da defesa. Os accionistas não podem aprovar algumas alterações aos estatutos sem o consentimento do Governo, nomeadamente a cláusula que obriga a que tanto o presidente executivo (CEO) como o presidente do conselho de administração sejam de nacionalidade britânica.
Estas duas "acções douradas" podem aliás enquadrar-se nas excepções que a UE permite neste domínio: "Motivos de ordem, segurança e saúde públicas e as chamadas razões imperiosas de interesse geral", refere Nuno Cunha Rodrigues, docente na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e autor de um livro sobre os direitos especiais dos estados-membros.
Em entrevista ao PÚBLICO, este especialista dá o exemplo da Bélgica, como sendo o único país em que o Tribunal de Justiça decidiu formalmente a favor dos poderes do Estado na Distrigas. "Considerou-se que o aprovisionamento de gás em caso de emergência constituía um motivo de segurança nacional e uma razão imperiosa de interesse geral que legitimava a detenção de golden shares", explicou. Aliás, Cunha Rodrigues acredita que este mesmo argumento poderia ser utilizado pelo Governo português para defender os seus interesses na Galp (ver entrevista).
Grécia e Irlanda mantêm
O pedido de ajuda externa, feito em Abril pelo anterior Governo, precipitou a decisão de acabar com as golden shares em Portugal. No entanto, tanto a Irlanda como a Grécia, auxiliadas financeiramente no ano passado, ainda mantêm posições privilegiadas em pelo menos duas empresas.
Na irlandesa Greencore Group, além de poder vetar decisões estratégicas, o Estado pode intervir directamente no sector, fixando limites à produção de açúcar (sector onde opera), sem que até hoje tenha havido alguma chamada de atenção de Bruxelas. Já o caso da grega Public Power Company, que o Governo de Papandreou decidiu privatizar parcialmente na sequência da ajuda externa, foi denunciado ao Tribunal de Justiça em Maio de 2010. Porém, os poderes estatais mantêm-se: os direitos de voto de outros accionistas estão limitados a cinco por cento, por exemplo.
Mais polémica tem levantado a actuação do Governo de Berlusconi, que, apesar de condenado pelas autoridades europeias, continua a manter direitos especiais em quatro empresas estratégicas - curiosamente, três são dos mesmos sectores da Galp, PT e EDP. Em causa estão a ENI (accionista de referência da Galp), a Telecom Itália e a Enel.
Outro caso que também gera anticorpos em Bruxelas e continua sem seguir as imposições da UE é a Polónia, onde mais de uma dezena de companhias ainda estão sujeitas a um controlo privilegiado do Estado. Também em França e na Finlândia há registo de pelo menos duas situações: a Thales (defesa) e a Gasum Oy (energia). Portugal deixará de fazer parte desta lista no espaço de um mês.
Em toda a União Europeia (UE), de acordo com um levantamento feito pelo PÚBLICO, há pelo menos outros nove estados-membros que ainda detêm golden shares e direitos especiais em grandes empresas, protegendo-as de investidas estrangeiras e controlando algumas decisões estratégicas dos accionistas. É o caso da Alemanha e do Reino Unido.
Num país que desde sempre tem sido um dos motores da integração europeia, permanece ainda hoje um claro obstáculo à livre circulação de capitais no maior fabricante europeu de automóveis. Na alemã Volkswagen, o Estado da Baixa Saxónia detém mais de 20 por cento do capital, o que lhe dá direitos especiais definidos numa lei de 1960. Nomeadamente, a presença obrigatória de um representante na administração e a limitação dos direitos de voto de todos os accionistas, independentemente da participação no capital social.
Há quase quatro anos que a Alemanha foi condenada pelo Tribunal de Justiça europeu, mas a situação mantém-se sem qualquer sanção. Aliás, foi nesse mesmo ano que a chanceler Angela Merkel defendeu publicamente a necessidade de um plano europeu que admitisse goldenshares em áreas estratégicas.
UE abre excepções
Já o Reino Unido acatou algumas recomendações da UE e acabou com os direitos especiais que o Estado tinha em empresas como a British Airports Authority (BAA). O abandono desta posição privilegiada teve como consequência um dos maiores receios dos defensores destes instrumentos de intervenção estatal: a empresa, dona de alguns dos maiores aeroportos europeus, está hoje nas mãos de capital estrangeiro, a espanhola Ferrovial.
Em contrapartida, o Estado britânico continua a ter uma golden share em duas grandes companhias: a BAE Systems e a Rolls Royce, ambas no sector da defesa. Os accionistas não podem aprovar algumas alterações aos estatutos sem o consentimento do Governo, nomeadamente a cláusula que obriga a que tanto o presidente executivo (CEO) como o presidente do conselho de administração sejam de nacionalidade britânica.
Estas duas "acções douradas" podem aliás enquadrar-se nas excepções que a UE permite neste domínio: "Motivos de ordem, segurança e saúde públicas e as chamadas razões imperiosas de interesse geral", refere Nuno Cunha Rodrigues, docente na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e autor de um livro sobre os direitos especiais dos estados-membros.
Em entrevista ao PÚBLICO, este especialista dá o exemplo da Bélgica, como sendo o único país em que o Tribunal de Justiça decidiu formalmente a favor dos poderes do Estado na Distrigas. "Considerou-se que o aprovisionamento de gás em caso de emergência constituía um motivo de segurança nacional e uma razão imperiosa de interesse geral que legitimava a detenção de golden shares", explicou. Aliás, Cunha Rodrigues acredita que este mesmo argumento poderia ser utilizado pelo Governo português para defender os seus interesses na Galp (ver entrevista).
Grécia e Irlanda mantêm
O pedido de ajuda externa, feito em Abril pelo anterior Governo, precipitou a decisão de acabar com as golden shares em Portugal. No entanto, tanto a Irlanda como a Grécia, auxiliadas financeiramente no ano passado, ainda mantêm posições privilegiadas em pelo menos duas empresas.
Na irlandesa Greencore Group, além de poder vetar decisões estratégicas, o Estado pode intervir directamente no sector, fixando limites à produção de açúcar (sector onde opera), sem que até hoje tenha havido alguma chamada de atenção de Bruxelas. Já o caso da grega Public Power Company, que o Governo de Papandreou decidiu privatizar parcialmente na sequência da ajuda externa, foi denunciado ao Tribunal de Justiça em Maio de 2010. Porém, os poderes estatais mantêm-se: os direitos de voto de outros accionistas estão limitados a cinco por cento, por exemplo.
Mais polémica tem levantado a actuação do Governo de Berlusconi, que, apesar de condenado pelas autoridades europeias, continua a manter direitos especiais em quatro empresas estratégicas - curiosamente, três são dos mesmos sectores da Galp, PT e EDP. Em causa estão a ENI (accionista de referência da Galp), a Telecom Itália e a Enel.
Outro caso que também gera anticorpos em Bruxelas e continua sem seguir as imposições da UE é a Polónia, onde mais de uma dezena de companhias ainda estão sujeitas a um controlo privilegiado do Estado. Também em França e na Finlândia há registo de pelo menos duas situações: a Thales (defesa) e a Gasum Oy (energia). Portugal deixará de fazer parte desta lista no espaço de um mês.
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